A Justiça Federal suspendeu, de forma liminar, os efeitos da Resolução nº 2.427/2025, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que restringia o acesso a procedimentos terapêuticos para pessoas com incongruência de gênero — especialmente crianças e adolescentes. A decisão é do último dia 25 de julho, assinada pelo juiz Jair Araújo Facundes, 3ª Vara Federal Cível e Criminal da Seção Judiciária do Acre (TRF-1), em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Na ação, o MPF argumenta que a nova resolução representa um retrocesso social e jurídico, ao contrariar evidências científicas e limitar direitos fundamentais já reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como o direito à identidade de gênero e ao acesso a tratamentos médicos adequados.
Além da suspensão da norma, o Ministério Público pede a anulação definitiva da resolução e a condenação do CFM ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos — valor que seria destinado a projetos de promoção da cidadania de pessoas trans e travestis, com a participação da sociedade civil.
Ao analisar o pedido liminar, o juiz Jair Araújo entendeu que a resolução foi editada sem justificativa técnica adequada e sem a participação de especialistas de diferentes áreas, como ocorreu com a norma anterior, de 2019. Na visão do magistrado, o CFM não poderia revogar a antiga regulamentação (Resolução 2.265/2019) de forma isolada, sem repetir o amplo debate com entidades médicas, acadêmicas, representantes da sociedade civil e órgãos públicos.
Para o juiz, o novo texto reduziu possibilidades terapêuticas importantes sem apresentar fundamentos científicos sólidos. Ele citou, como exemplo, a proibição do uso de bloqueadores hormonais para adolescentes — medida que vai na contramão das recomendações do próprio estudo utilizado pelo CFM (Cass Review 2024), que defende o uso controlado dessas terapias no âmbito de pesquisas científicas.
“Se a finalidade é proteger os interesses de crianças e adolescentes, permitir o uso de terapias hormonais sob protocolo de pesquisa científica contribui para essa proteção. Já proibir essas pesquisas reduz as chances de se descobrir novos tratamentos”, afirmou Facundes.
Ele também criticou dispositivos da nova resolução que impõem cadastro obrigatório dos pacientes trans e estabelecem regras para que pessoas transgênero só sejam atendidas por médicos de acordo com o sexo biológico. Jair Araújo considerou essas medidas inconstitucionais e ofensivas à dignidade humana, à autonomia dos pacientes e ao direito à privacidade.
Segundo ele, a imposição de cadastros compulsórios de pessoas com base em características pessoais remete a práticas históricas condenáveis e não encontra respaldo legal ou ético. Já a determinação de que pessoas trans devam se consultar apenas com profissionais relacionados ao sexo de nascimento, o magistrado destacou que desrespeita o direito de escolha do paciente.
Com a liminar, os efeitos da Resolução 2.427/2025 ficam suspensos até decisão definitiva da Justiça. O juiz determinou ainda que, caso o CFM deseje editar nova regulamentação sobre o tema, deverá incluir, obrigatoriamente, as mesmas entidades que participaram da elaboração da norma de 2019.
Jair Araújo ressaltou ainda que o Judiciário não entra no mérito técnico das abordagens médicas, mas tem o dever de verificar se os atos normativos respeitam os direitos fundamentais e seguem critérios de razoabilidade, legalidade e fundamentação científica.
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