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Entrevista da Semana Sábado, 12 de Julho de 2025, 15:00 - A | A

Sábado, 12 de Julho de 2025, 15h:00 - A | A

ENTREVISTA DA SEMANA

Promotor detalha ações contra o feminicídio em Várzea Grande e Livramento

Apesar de avanços, feminicídios voltam a crescer e revelam fragilidades na proteção às vítimas

Isadora Sousa/VGN

O entrevistou o promotor de justiça Marcelo Lucindo Araújo para falar sobre o plano de ações que será tomado contra os principais desafios do combate ao feminicídio em Várzea Grande e Nossa Senhora do Livramento.

Com base em dados do Relatório de Monitoramento de 2024, o Ministério Público destacou avanços significativos e desafios persistentes no enfrentamento à violência doméstica em ambos os municípios.

A redução expressiva nos registros de boletins de ocorrência, o aumento da efetividade judicial e a ampliação dos atendimentos da rede de proteção demonstram o fortalecimento das ações intersetoriais desde a criação da Rede de Enfrentamento, em 2018. No entanto, questões como o aumento de feminicídios em 2024, a falta de estrutura física adequada e a baixa adesão ao serviço voltado aos autores de violência ainda preocupam.

Confira entrevista na íntegra

VGN - Promotor, com base no relatório de monitoramento das atividades de 2024, quais foram os principais avanços e os maiores desafios enfrentados pela Rede no último ano?

Marcelo Araújo -  Os principais avanços foram na redução de 42,91% nos registros de boletim de ocorrência por violência doméstica/familiar contra mulheres comparando entre 2022 e 2023, e redução de 59,18% de 2023 para 2024. Comparando 2024 com o ano 2017 (ano anterior à implantação da Rede), houve uma redução de 37,22% nos registros de violência. Aumento na produtividade do sistema de justiça, com mais condenações e menos arquivamentos. Registramos também crescimento de 118% na solicitação de medidas protetivas de urgência pelas mulheres (2021–2024) e maior adesão à Patrulha Maria da Penha. Ampliação dos atendimentos realizados pela Política Municipal de Assistência Social e melhoria da estrutura física do abrigo institucional. Organização do serviço de atendimento às vítimas de violência sexual no Hospital e Pronto Socorro Municipal de Várzea Grande com pactuação de fluxo e protocolo de atendimento. Elaboração do Protocolo de Atendimento às mulheres vítimas de violência no âmbito da Educação Municipal.

Quanto aos desafios,  o feminicídio continua sendo o maior desafio: em 2024 houve aumento em relação a 2023, com 3 casos. Apesar disso, houve redução em relação a 2017 (5 casos), ano em que a Rede ainda não existia. Há alto número de descumprimento de medida protetiva de comparecimento ao Serviço de Reflexão para homens, agravado pela escassez de oficiais de justiça para realização de intimações. A insuficiência de profissionais da área de psicologia atuando nas Secretarias Municipais de Saúde, dificultando o atendimento de mulheres em sofrimento psíquico não contempladas pelo CAPS é um problema, assim como a ausência de Delegacia Especializada em regime de 24h e a falta de unidade da Politec na comarca.

VGN - A Rede trabalha com informações vindas de diversos órgãos. O senhor considera que hoje já temos um diagnóstico confiável e atualizado sobre a realidade da violência doméstica nessas cidades?

Marcelo Araújo - Sim. Sim. Desde 2021, os dados quantitativos são coletados semestralmente junto às instituições cooperantes. Anualmente, é publicado o Relatório de Monitoramento, com análise, diagramação e editoração realizadas pelo Núcleo de Serviço Social da Sede das Promotorias de Justiça de Várzea Grande.

VGN - Como será elaborado o Plano de Ações para 2025 e o que já está definido como prioridade?

Marcelo Araújo -  O plano de é construído com base nos dados do Relatório de Monitoramento. Sendo assim, no início deste ano dividimos as pessoas representantes em grupos de trabalho temáticos. O GT Sistema de Justiça, objetiva melhorar a efetividade do sistema de justiça nos crimes de violência contra mulheres. O GT Serviço de Reflexões para homens: objetiva monitorar as atividades e reincidências. O GT Patrulha Maria da Penha: objetiva melhorar a capacidade de proteção às mulheres vítimas de violência e seus dependentes. O GT Assistência Social: objetiva fortalecer a rede de proteção e prevenção. O GT Saúde: objetiva melhorar o atendimento a vítimas e prevenção de violências. O GT Educação: objetiva melhorar atuação preventiva e protetiva no âmbito escolar. O GT Educação Permanente e Qualificação: objetiva formação anual da rede e incentivo à produção acadêmica. Todos os GTs já estão em funcionamento com reuniões e tarefas em execução.
VGN - O senhor mencionou os eixos estruturantes da Rede. Poderia explicar como cada um deles contribui no combate à violência e como serão trabalhados neste ano?
Marcelo Araújo - O Eixo I é a Rede de Atenção e Proteção Social: O objetivo neste eixo é possibilitar o atendimento da mulher em situação de violência doméstica, dos(as) filhos(as), do autor do fato e dos demais familiares, caso necessário
Metas: reduzir índices de violência doméstica e familiar contra mulheres, responsabilizar pessoas autoras de violência doméstica e familiar contra mulheres, fomentar articulação intersetorial, fortalecer e implementar políticas públicas da rede de atendimento, defesa e responsabilização, garantir proteção dos(as) envolvidos(as) em situação de violência doméstica e familiar. O Eixo II é a Rede de Prevenção: busca-se neste eixo desenvolver estratégias efetivas de prevenção, fomentando relações igualitárias entre os gêneros
Metas: elaborar planos anuais de prevenção no âmbito das políticas públicas de assistência social saúde e educação, com indicadores de avaliação e monitoramento constante. O Eixo III é a Educação Permanente: Este eixo se propõe a desenvolver atividades de capacitação de diversos profissionais que atuam de forma direta ou indireta no atendimento de mulheres em situação de violência.
Meta: ofertar anualmente curso de qualificação em matéria de violência de gênero. O Eixo IV é o Conhecimento Científico: neste eixo, busca-se analisar as causas e motivos que levam à violência doméstica contra a mulher, para que a Rede de Enfrentamento possa trabalhar com base em dados científicos acadêmicos. A intenção é buscar parcerias com Universidades, através de seus cursos, docentes e acadêmicos, buscando-se a efetivação, implementação ou fortalecimento de outras frentes acadêmicas e de atendimento às mulheres em situação de violência.

VGN - A Rede tem um eixo específico voltado à “Educação Permanente”. Quais ações estão previstas nesse campo e qual o papel da formação continuada dos profissionais da rede de atendimento?

Marcelo Araújo -  Em 2025, serão realizados módulos de qualificação com profissionais da educação municipal. Foi apresentado o Protocolo de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência nas Unidades Escolares, aguardando aprovação pelo Conselho Municipal de Educação.

VGN Há planos para fortalecer ações de prevenção e conscientização junto às comunidades, especialmente nas regiões mais vulneráveis de Várzea Grande e Livramento?

Marcelo Araújo - Sim. A assistência social municipal elaborou planos preventivos ao final de 2024, já em execução em 2025. Na educação, todas as escolas cumprem a Lei nº 14.164/2021, que institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.

VGN - Como a Rede tem garantido o suporte necessário às mulheres que decidem romper o ciclo da violência?

Marcelo Araújo - Todas as instituições cooperantes estão preparadas para realizar os atendimentos e encaminhamentos necessários à proteção das mulheres em situação de violência. Em Várzea Grande, por exemplo, há uma Delegacia Especializada da Mulher, onde as vítimas podem registrar boletins de ocorrência e solicitar diversas modalidades de medidas protetivas de urgência.
A Patrulha Maria da Penha, composta por integrantes da Polícia Militar e da Guarda Municipal de Várzea Grande, atua na fiscalização das medidas protetivas, realizando intervenções sempre que há indícios de descumprimento por parte do agressor.
No âmbito da política municipal de assistência social, mulheres que estão em situação de risco iminente de morte podem ser acolhidas no abrigo institucional, onde permanecem pelo tempo necessário até se sentirem seguras para retornar ao convívio comunitário ou familiar. Nos casos de violência sexual, os municípios disponibilizam atendimento especializado na área da saúde, com realização de todos os procedimentos necessários — clínicos, profiláticos e psicológicos. Em Várzea Grande, há atendimento emergencial no Hospital e Pronto-Socorro Municipal, bem como acompanhamento ambulatorial no Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (NAVVS), localizado no SAE-CTA. A organização da sociedade civil Lírios tem se destacado pelo trabalho eficaz no acompanhamento terapêutico de mulheres e crianças em situação de violência, contribuindo significativamente para a superação do trauma e a reconstrução dos vínculos afetivos. Por fim, o sistema de justiça, por meio do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, tem empreendido esforços significativos tanto na responsabilização dos autores de violência quanto no atendimento humanizado às mulheres vítimas, com base nos princípios da dignidade, proteção integral e não revitimização.

VGN - Em muitos casos, a mulher desiste da denúncia por falta de estrutura de apoio. Como superar esse obstáculo?

Marcelo Araújo - Atuar de forma intersetorial é, sem dúvidas, um caminho efetivo, pois exige um conjunto de ações articuladas, que envolvem políticas públicas eficazes e uma rede de apoio sólida e integrada. Desde a criação da Rede de Enfrentamento, temos fortalecido os mecanismos de proteção às mulheres em situação de violência, garantindo que não se sintam sozinhas durante o processo. Isso inclui o acesso a serviços essenciais, como atendimento psicológico gratuito, orientação jurídica e programas de capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho. Por esse motivo, promovemos anualmente a qualificação de profissionais das áreas da saúde, educação e segurança pública, com o objetivo de assegurar um acolhimento humanizado, baseado na empatia, na escuta qualificada e na não revitimização. Além disso, fomentamos campanhas educativas que apresentam os caminhos possíveis após a denúncia, contribuindo para desmistificar o processo e divulgar amplamente os canais de apoio disponíveis. Em resumo, para que uma mulher não desista da denúncia, ela precisa confiar que será protegida, acolhida e jamais punida por buscar ajuda. Isso requer investimento contínuo do Estado e também uma transformação cultural profunda na forma como a sociedade compreende e enfrenta a violência de gênero.

VGN - O senhor acredita que o município tem feito sua parte? O que ainda precisa melhorar do ponto de vista das políticas públicas locais?

Marcelo Araújo - As instituições têm atuado com empenho, mas os desafios ainda são significativos. Um dos principais obstáculos é a superação do feminicídio, especialmente no que se refere ao acesso efetivo às medidas protetivas de urgência — instrumentos que salvam vidas. Destaco esse ponto com base em dados do Observatório Caliandra do MPMT, segundo os quais, das 47 mulheres vítimas de feminicídio no Estado de Mato Grosso em 2024, apenas uma possuía medida protetiva em vigor. Outro aspecto que precisa de atenção é o cumprimento da medida protetiva que determina o comparecimento do autor de violência ao Serviço de Reflexão para Homens (SER+), cuja adesão ainda está muito aquém do necessário. Trata-se de uma ferramenta essencial para transformar relações violentas em vínculos mais saudáveis e pacíficos. A saúde mental também se impõe como uma questão central. O acesso a serviços de cuidado psicológico, tanto para mulheres quanto para homens em sofrimento psíquico que não se enquadram nos critérios de atendimento do CAPS, ainda é precário. Vivemos em uma sociedade historicamente marcada pela violência, um padrão que se reproduz de geração em geração. O processo de autoconhecimento e cuidado emocional é fundamental para evitar o agravamento dos conflitos nas relações interpessoais — contudo, sabemos que esse tipo de acesso permanece restrito, em grande parte, à população com melhores condições financeiras. Além disso, enfrentamos a ausência de uma Delegacia Especializada da Mulher em funcionamento contínuo (24 horas), bem como a inexistência de uma unidade da Politec na cidade. Esses fatores fragilizam a resposta institucional à violência e reforçam a necessidade urgente de avanços estruturais. Em síntese, temos muito trabalho a ser feito — e ele exige não apenas recursos, mas também vontade política, articulação intersetorial e compromisso permanente com a vida das mulheres.

VGN - Após seis anos da criação da Rede, o senhor considera que houve uma mudança de cultura institucional no enfrentamento à violência doméstica na região?

Mudamos muito. Hoje a comunicação é maior, fluída, e pessoal. Totalmente diferente de uma comunicação via correio eletrônico como antigamente. Valorizamos a pluralidade de saberes, desta forma todas as instituições possuem equânime poder de decisão no âmbito das intervenções. A intersetorialidade passou a ser uma prática consolidada, com ações coordenadas e integradas entre as instituições, o que tem fortalecido significativamente o enfrentamento à violência contra as mulheres.

VGN - Para encerrar, que mensagem o senhor gostaria de deixar às mulheres vítimas de violência e aos profissionais que atuam nessa causa diariamente?

Marcelo Araújo - Às mulheres vítimas de violência: você não está sozinha. Há uma rede de proteção que acredita na sua força, na sua dignidade e no seu direito de viver com segurança, liberdade e respeito. Denunciar não é apenas um ato de coragem — é também um ato de amor-próprio e de proteção à sua vida e à de outras mulheres. Sabemos que o caminho pode ser doloroso, mas existe amparo, escuta e acolhimento. Cada passo que você dá em direção à sua autonomia e segurança representa um avanço coletivo na luta contra a violência de gênero. Confie: há profissionais, serviços e instituições comprometidas em caminhar ao seu lado, sem julgamento, com empatia e seriedade. Aos profissionais da Rede de Enfrentamento: vocês são pilares fundamentais na construção de uma sociedade mais justa e segura para todas as mulheres. O trabalho que realizam, muitas vezes silencioso e invisível, salva vidas. Mesmo diante das limitações estruturais, da sobrecarga e dos desafios persistentes, é a atuação comprometida e intersetorial que tem promovido avanços concretos, como a redução de boletins de ocorrência, o aumento da efetividade judicial e a ampliação dos serviços de proteção. Sigam firmes, com ética, sensibilidade e resistência. Cuidar de quem cuida também é essencial — por isso, que a valorização e a formação continuada façam parte da nossa prática cotidiana. A transformação social começa na escuta qualificada, no atendimento humanizado e na luta conjunta por equidade de gênero.

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