Por Cícero Ramos*
Por décadas, o Brasil caminha em círculos, refém de uma engrenagem de poder que já não entrega futuro. O que emperra o país não é a falta de ideias, recursos ou talentos, mas a presença sufocante de grupos de interesse que instrumentalizaram o Estado. O governo deixou de ser um espaço de construção coletiva para se tornar um campo de disputa entre corporações privilegiadas, partidos fisiológicos, lobbies organizados e grupos encastelados no poder.
A medida que uma organização política cresce e se torna mais complexa, tende inevitavelmente à concentração de poder em um grupo dirigente cada vez mais especializado, coeso e afastado da base que o legitimou. É esse distanciamento que transforma o Estado em máquina opaca, impermeável às demandas da sociedade e cada vez mais capturada por quem aprendeu a operá-la em benefício próprio.
Em países como Japão e Alemanha, a guerra provocou uma ruptura institucional tão profunda que obrigou a retirada de antigos grupos dominantes. A necessidade de reconstrução serviu como antídoto à corrupção estrutural e ao clientelismo. Em vez de fortalecer oligarquias, esses países reformaram o Estado, apostaram na profissionalização da gestão pública, na transparência e na reconstrução de um pacto social orientado ao bem comum.
No Brasil, nunca houve uma ruptura com as velhas práticas. A redemocratização nos devolveu as liberdades civis, mas não desmantelou as estruturas paralelas de poder. O que se viu foi a perpetuação, agora sob o verniz democrático, de esquemas corporativos, clientelistas e patrimonialistas. O resultado está diante de nós: um país capturado, onde reformas essenciais são eternamente adiadas porque ferem interesses incrustados.
Hoje, sindicatos e corporações influenciam mais que o Congresso; partidos políticos loteiam estatais como moeda de troca; grupos empresariais moldam leis a seu favor; e categorias privilegiadas distorcem orçamentos para preservar benefícios exclusivos. O Estado brasileiro virou um condomínio fechado onde poucos mandam e muitos pagam a conta. Os caçadores das coisas públicas, movidos por vantagens imediatas, seguem disputando cada centímetro da máquina estatal como se fosse uma presa.
Esse jogo travou. E não há saída possível que não passe pela desinstalação desses grupos de influência. O Brasil precisa respirar. Mas só voltará a fazê-lo quando desmontarmos as engrenagens que transformaram o serviço público em trincheira ideológica, a política em negócio familiar e a economia em campo de proteção de interesses privados.
O primeiro passo não é técnico, é político: reconhecer que o sistema atual serve a poucos e exclui a maioria. A partir daí, é preciso construir uma reforma institucional que devolva ao Estado sua missão original: servir à população, e não ser um espólio a ser disputado.
Se quisermos avançar, será preciso coragem política para desinstalar esses grupos de influência, mudar as engrenagens do sistema e enfrentar os donos do Estado. Enquanto continuarmos reféns de corporações e elites encasteladas no poder, o Brasil seguirá andando em círculos, prometendo o futuro, mas com os pés presos ao passado.
*Cícero Ramos é engenheiro florestal
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