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Artigos Sábado, 19 de Julho de 2025, 10:46 - A | A

Sábado, 19 de Julho de 2025, 10h:46 - A | A

Luiz Carlos Fanaia*

Rio Cuiabá como sujeito de direitos

Por Luiz Carlos Fanaia de Almeida*

A concepção filosófica sobre a natureza tem passado por transformações significativas. Em tempos passados, “A terra e todas as coisas da natureza, dizia Las Casas, é uma criação divina para a satisfação de todos os homens, sem diferenças de povos, clãs ou raças” (Souza Filho, 2010, p.181). Entretanto, essa compreensão da terra como criação divina para satisfação de todos, com o avanço do capitalismo, transformou-se em mercadoria.

Nesta perspectiva, os elementos naturais começaram a ser regidos pela lógica da propriedade privada e do valor da troca, em um paradigma antropocêntrico, onde a destruição avança, e a água encontra-se nesse contexto “amargo no egoísmo e individualismo do ser humano” (Rocha, 2021).

Nessa vertente, verificamos que a degradação do rio Cuiabá, essencial para o Pantanal, evidencia a necessidade de revisão das normas jurídicas ambientais. A defesa desse novo olhar jurídico se ancora em argumentos filosóficos, éticos, ambientais e políticos, bem como em experiências internacionais e nacionais já em curso, como nos casos do rio Whanganui (Nova Zelândia) e rio Laje (Brasil).

O rio Cuiabá, um dos principais formadores do Pantanal, está doente. Poluído, assoreado e ameaçado por dezenas de barragens, ele corre o risco de perder sua capacidade de sustentar a vida, não apenas a vida selvagem que abriga, mas também as populações ribeirinhas que dele dependem.

Diante desse cenário alarmante, onde os seres humanos se apropriam dos elementos da natureza conscientemente, cresce em todo o mundo um movimento jurídico e ético que propõe uma nova forma de enxergar os rios: como sujeitos de direitos.

Essa ideia pode parecer estranha à primeira vista, mas vem sendo aplicada com sucesso em países como a Nova Zelândia, que reconheceu o rio Whanganui como uma entidade viva com personalidade jurídica própria, e o Canadá que reconheceu o Rio Magpie.

Na América Latina, Equador, Bolívia e Colômbia já deram passos semelhantes, integrando saberes indígenas e mecanismos legais modernos.

Em 2008, a Constituição do Equador foi pioneira ao incluir os direitos da “Pacha Mama”, conforme pode-se aferir da leitura do art. 71:

Art. 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos.

No Brasil, a cidade de Guajará-Mirim (RO) aprovou, em 2023, uma lei pioneira que reconhece o rio Laje como sujeito de direitos.

E a pergunta que se impõe é: por que não fazer o mesmo com o rio Cuiabá?

Reconhecer um rio como sujeito de direitos significa garantir legalmente sua existência, sua integridade ecológica e a regeneração de seus ciclos. Significa permitir que ele tenha defensores legais em juízo, que possam atuar em nome do rio para impedir agressões ambientais e exigir sua recuperação.

Essa mudança rompe com a visão dominante no direito brasileiro, que trata a natureza como propriedade ou recurso, conforme disposto na Lei n. 9.433/97, art. 1º Inc.II “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;”. Trata-se de substituir o modelo antropocêntrico, onde tudo gira em torno do ser humano, por uma abordagem ecocêntrica, na qual a natureza tem valor em si mesma e deve ser respeitada como parte de um sistema interdependente.

Ao atribuir direitos a entidades como os rios, também devemos praticar uma forma de advocacia em favor deles, assim, o Direito precisa ampliar sua visão e reconhecer que a relação com a Natureza vai além da simples noção de propriedade.

A situação do rio Cuiabá urge essa virada. O Rio Cuiabá nasce na Serra Azul, no município de Rosário Oeste - MT, e percorre 980 km até desaguar no rio Paraguai, atravessando áreas de Cerrado e Pantanal. Ele é responsável por abastecer ecossistemas ricos em biodiversidade, como o Parque Estadual Encontro das Águas e o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense Sua bacia banha 13 municípios e regula o pulso das cheias pantaneiras.

Mas o que vemos hoje é preocupante: altos índices de poluição, perda de matas ciliares, pressão de empreendimentos hidrelétricos e uso descontrolado da água para irrigação. Estudos recentes mostram a presença de bactérias hospitalares em suas águas e alertam para os impactos devastadores das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que afetam a reprodução dos peixes e colocam em risco a cadeia econômica da pesca.

A questão não é apenas ambiental. É também social e econômica. São as comunidades mais vulneráveis que sofrem primeiro e mais intensamente com a destruição dos rios. São elas que perdem acesso à água limpa, à pesca, ao transporte e à sua cultura.
Estamos diante de um desafio civilizacional. Proteger os rios não é um favor à natureza, é um dever para conosco mesmos e para com as futuras gerações. O direito precisa evoluir para refletir essa consciência.

O rio Cuiabá, mais do que um curso d’água, é um ser vivo, essencial à vida no Pantanal. E como tal, merece respeito, voz e proteção legal.

No caso do Brasil, a inexistência de uma lei nacional não impede que municípios avancem em legislações locais, como fez o município de Guajará-Mirim. Assim, sugere-se que Cuiabá, por sua posição estratégica no bioma Cerrado e no Pantanal, lidere um movimento regional de proteção ecológica e reconhecimento legal dos rios, notadamente, o Rio Cuiabá devido sua grande importância regional, principalmente, para o Pantanal.

Luiz Carlos Fanaia de Almeida, advogado, membro da Comissão de Assuntos Fundiários da OAB/MT, Mestrando em Geografia – UFMT, especialista em Regularização Fundiária UFMT, Direito Agrário, Direito ambiental, Direito Constitucional e Pós-graduado em Gestão em Cidades.

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