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Política Quarta-feira, 06 de Junho de 2012, 10:29 - A | A

Quarta-feira, 06 de Junho de 2012, 10h:29 - A | A

O vírus do descaso

Em meio a inúmeras crises deflagradas pelas terceiras intenções da mídia em conjunto com as disputas fisiológicas dos partidos políticos, o pior dos distúrbios funcionais vividos pelo País tem se tornado imperceptível- o desinteresse pela política.

Rafael Querrer

 

Em meio a inúmeras crises deflagradas pelas terceiras intenções da mídia em conjunto com as disputas fisiológicas dos partidos políticos, o pior dos distúrbios funcionais vividos pelo País tem se tornado imperceptível. Esse estado de desequilíbrio é responsável por boa parte dos dramas políticos, econômicos e sociais experimentados ao longo dos séculos de existência da adolescente Ilha de Vera Cruz. Ele ganhou força como um comportamento cultural e hoje conseguiu atingir o "status" de ideologia. Trata-se do grave desajuste conjuntural entre o universo político nacional e o cidadão brasileiro. Ou melhor, o desinteresse nacional pela política.

Em plena fase de obstrução das barreiras produtivas, em que todas as pessoas têm ganhado cada vez mais espaço para atuar como desenvolvedores e não só como espectadores ou consumidores, o brasileiro tem se tornado  cada vez mais a plateia dos políticos que regem o seu próprio país. Limita-se apenas a atirar tomates, muitas vezes desconhecendo o "enredo do espetáculo" e o papel dos atores. É uma mistura repulsiva de ignorância, apatia e distanciamento.

Aliás, arrisco-me a afirmar que não há, nesse planeta, uma fita que possa medir a distância entre os feitos e desfeitos dos três poderes que regem o país e o imaginário de muitos cidadãos. Isso porque é necessário mais do que jornais para se compreender o Brasil, politicamente. É preciso educação, interesse e muitas vezes experiência empírica.

O desligamento dos cidadãos é um caso tão grave que está se tornando uma patologia. O primeiro sintoma dessa doença é bem claro: a cegueira. E na inexperiência, sem o devido amadurecimento da audição, as vozes confundem-se e tornam-se um coro. São gritos unificados, não há distinção.

O resultado vem em seguida: todos os políticos, juízes, servidores públicos e donos de grandes empresas são classificados e julgados a partir do que se pode identificar dos ruídos captados. Logo, se um é corrupto, todos os são. Se um não é ético, ninguém é. Se outro é dito criminoso, os demais são até piores do que isso. As vozes são oriundas de autofalantes financiados pelos poucos poderosos que podem transmitir informação a um grande número de pessoas. Dizem o que querem. Sem conseguir identificar os interlocutores visualmente e com os ouvidos destreinados, o cidadão, já doente, não consegue fazer a distinção dos barulhos que escuta. Resultado? O errante e estúpido generalismo.

Para uso imediato, o único remédio pode ser o estímulo ao uso do tato. Levá-lo para além das rotinas que fazem a manutenção do estado de indiferença. Tentar fazer com que não só as mãos, mas o corpo e a mente possam se aproximar do que, ou de quem, produz os sons, e, principalmente, daquilo que se está conceituando sem conhecer.

O segundo sintoma seria a perda da capacidade de raciocínio. Sem conseguir refletir, sem conseguir enxergar e distantes demais para tocar o desconhecido, os cidadãos perdem a capacidade de percepção das realidades. Perdem-se na euforia dos gritos ouvidos e não conseguem distinguir o seu papel nos processos que se desenvolvem. Acusam, mas não conseguem notar que a maioria dos problemas foi fomentada em resultado ao seu distanciamento inicial. Apontam os dedos, elevam suas vozes e atiram dardos na direção apontada pelo som dos autofalantes, mas não captam a própria condição e desconhecem a própria capacidade para a alteração de seus contextos. Com isso os cidadãos são reduzidos a apenas "mais barulho". E como as instituições que representam os três poderes conseguem ignorar a gritaria da mídia, as reclamações dos longínquos brasileiros são apenas sussurros.

O terceiro e mais grave sintoma, em minha opinião, é a morte. Ou seja, a perda da capacidade de reação. Sem enxergar, ouvindo com dificuldade os gritos de ambientes distantes e sem poder refletir sobre si e o seu próprio contexto, o cidadão começa a perceber sua impotência perante os acontecimentos. Ouve acerca das barbáries cometidas em supremas cortes, salões azuis, carpetes verdes e pelas costas dos dragões da independência, mas não consegue conjecturar soluções cabíveis. A essa altura a cabeça já não reage, são as vozes que pensam por ele. De sua poltrona começa a sentir um peso nas pernas, nas mãos e no corpo todo. Já não pode se mover. Resta ouvir e bradar contra o vento, sozinho. Solidão, aliás, que chega a milhões de pessoas que Às vezes estão a menos de 10 m uma da outra. Sem poder reagir com o corpo e sem conseguir pensar com clareza, seu grito passa a somar os sons reproduzidos pelas poucas famílias que detém o poder da ampla comunicação, no País.

Não há uma fórmula concreta e 100% eficaz para prevenir o brasileiro de chegar a esse estado. Como se trata de uma patologia cultural, que compõe o comportamento dos brasileiros há bastante tempo, a solução mais clara é a revolução. Uma palavra que muitas pessoas já sem a capacidade de reflexão vinculam a ações corretas ou não de movimentos de esquerda, mas aqui a revolução não tem cores ou bandeiras. Está  mais fielmente vinculada ao cuidado com a saúde mental e até física da sociedade, do que com uma revanche contra um sistema político que há pouco tempo guardava as esperanças e os sonhos da sociedade (mas que agora tem mostrado toda a sua ineficiência e falta de estrutura social).

É preciso, inicialmente, modificar os pilares da nossa educação para procurar inserir totalmente os cidadãos no debate político. Para que os jovens não saiam das salas de aula imaginando o legislativo, o executivo e o judiciário apenas como projetos de futuros ambiciosos, em casos exclusivos de aprovações em concursos públicos, mas também como ambientes que sustentam a nossa democracia e precisam, de fato, em prol da nação. Posteriormente, essas pessoas precisam multiplicar a importância e a necessidade de uma educação que preze por novos valores, que seja capaz de transformar uma criança sem compromissos em um cidadão com deveres e responsabilidades, consciente do seu papel. Por fim, cuidar para que as vozes dos poderosos não seja mais alta do que o tom dos professores e dos demais cidadãos preocupados em fazer um país melhor. Definitivamente, a escola e academia são um dos melhores remédios.

Outro método preventivo eficiente é trazer os brasileiros para perto dos livros. Independente do século em que vivemos as bibliotecas e livrarias, físicas ou virtuais, ainda contém os melhores remédios contra a inanição cerebral. Apesar de algumas pessoas entenderem esse posicionamento como absurdo ou ficcional, somente a leitura pode desprender as pessoas de antigas correntes culturais que as impedem de alterar sua condição perante a sociedade. É o livro que amplia a capacidade de reflexão e permite que a pessoa tome o tempo necessário para assimilar esse ou aquele conhecimento. É ele que, antes de tudo, pode apresentar as instituições públicas com qualidade e serventia. É a partir da leitura, aliás, que muitos outros meios propagam o conhecimento que detém, a diferença é que esses meios escolhem a parte do texto que não irá ao "ar".

A terceira e final redução dos danos causados ao cidadão pela doença promovida pela apatia política é, claro, o estímulo à reação. A reação, além de ser uma determinação da física contra qualquer ação está prevista em nossa constituição. Em uma democracia, quem toma as decisões políticas importantes é o cidadão, que em nosso caso está representado por parlamentares, senadores e chefes do executivo em todas as esferas de poder. Mesmo que indiretamente a reação precisa ocorrer para que reafirmemos e fortaleçamos a nossa democracia e façamos com que a nossa constituição seja cumprida. Se reagirmos em conjunto aos problemas que atingem a sociedade, aliás, se cada um dos 190 milhões de brasileiros fizer pelo menos mínimo em prol de uma mudança, conseguiremos evitar, parcialmente, que o vírus da apatia corroa o país e o transforme em um Brasil de poucos.

Mas uma coisa não se pode negar: muitos membros do Estado, mesmo com a ineficiência educacional do nosso atual sistema de educação, conseguiram identificar alguns dos problemas que prejudicam a nação. Por exemplo, segundo o DataSenado, 44,7% dos brasileiros se incomodam com a quantia em dinheiro gasta em estádios de futebol para a copa do mundo e mais de 90% não quer a criação de um novo imposto para a melhoria dos serviços públicos. Receio, porém, que a criação de um novo imposto ou a edificação de novos monumentos esportivos, mesmo a contragosto, seria aceita pela apatia.

Quase 100% dos brasileiros, segundo o Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre Segurança Pública (Sips) não se sente protegido e não confia nas polícias estaduais, que com certeza precisam de reformulação. Mas, mesmo assim, só reclama e procura agir quem é diretamente atingido por esse problema. A saúde pública também precisa melhorar, segundo os próprios brasileiros (DataSenado – 70%), mas quase ninguém se preocupa. E assim também é com a situação do transporte público, do preço da gasolina e, claro da educação. Todos esses problemas têm seus públicos e não são combatidos por aqueles que não sofrem com eles. Estes, possivelmente, já não tem poder de reação ou humanidade para colaborar com o próximo.

Os cidadãos também sabem que o judiciário tem sérias falhas e que o legislativo está perdido em meio a casos de corrupção e a comercialização dos cargos representativos (DataSenado), mas a generalização e o pouco conhecimento sobre o funcionamento dos órgãos desses poderes os afastam das soluções e os impedem de gerir novas propostas. Boa parte dos brasileiros, aliás, mal conhece o interior do Congresso ou mal sabe qualquer coisa além do que é mostrado pela mídia, ou melhor, pelos autofalantes controlados por pouquíssimas famílias. Quase ninguém nesse patamar é capaz de provocar alguma mudança.

Só resta a certeza de que é preciso acabar com essa apatia e inventar de novo o Brasil. Mudanças no comportamento, a começar com as táticas preventivas contra o vírus e com os remédios que extinguem o egoísmo, um novo Brasil pode se tornar realidade. É preciso combater as dificuldades instaladas em território nacional pela irracionalidade da história brasileira e os defeitos do nosso sistema político e econômico vigente. O nosso combustível para essa ação "revolucionária" é o conhecimento e a responsabilidade civil. Um país que anseia por progresso não pode ser preguiçoso ou apático. Essa doença precisa ser erradicada.

O vírus é contagioso e muitos brasileiros já estão com os três sintomas.

 

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