O advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, afirmou nessa segunda-feira (14.07) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não aceitará passivamente a tarifa de 50% imposta pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre todas as exportações brasileiras. A declaração foi feita em artigo publicado no jornal norte-americano New York Times.
No texto, Messias rebateu a justificativa de Trump, que alega supostas práticas comerciais desleais, restrições à liberdade de expressão e o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Para o advogado-geral, as alegações são infundadas.
Messias destacou que, segundo dados do próprio governo norte-americano, os Estados Unidos registraram em 2024 um superávit de US$ 7,4 bilhões na balança comercial com o Brasil. Se considerados bens e serviços, o saldo chega a quase US$ 29 bilhões, colocando o Brasil entre os três maiores contribuintes para o superávit comercial americano.
“A imposição de uma tarifa tão alta é desproporcional, fere as regras do comércio justo, ameaça cadeias produtivas e gera insegurança para empresas e investidores”, afirmou Messias. Ele ressaltou que o Brasil poderá adotar medidas de retaliação, sempre dentro da lei e dos acordos internacionais.
O ministro também criticou Trump por vincular a tarifa ao processo judicial que investiga a tentativa de golpe de Estado por Bolsonaro, em janeiro de 2023. O ex-presidente americano chamou o caso de “caça às bruxas”, mas Messias foi enfático: “Nenhum governo estrangeiro tem o direito de interferir na Justiça brasileira. A defesa da legalidade e da autonomia das instituições é inegociável.”
Ele também rejeitou as acusações de suposta censura a empresas de tecnologia dos EUA. Messias lembrou que o Brasil garante a liberdade de expressão, mas não admite o uso desse direito para incitar violência, disseminar pornografia infantil ou discursos de ódio. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos ilegais, prática comum em várias democracias.
No artigo, o ministro enfatizou que o governo Lula mantém o compromisso com o diálogo com os Estados Unidos, mas sempre com base no respeito mútuo, na lei e na soberania nacional. “Nossas diferenças devem ser resolvidas com negociação, não com ameaças. O Brasil vai defender sua soberania, seu sistema legal e os interesses do seu povo”, escreveu.
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Confira o Artigo
Procurador-Geral do Brasil: Brasil e Estados Unidos Podem Fazer Melhor
Por Jorge Messias
O senhor Messias é o procurador-geral do Brasil.
No dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos anunciou unilateralmente uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras — uma medida sem precedentes na história moderna das relações entre nossos países. A justificativa apresentada pelo presidente Trump — as supostas práticas comerciais desleais do Brasil, supostos ataques à liberdade de expressão e a perseguição a um ex-presidente — exige uma resposta cuidadosa, fundamentada em princípios, e uma firme defesa da nossa ordem jurídica, da nossa soberania e da integridade das nossas instituições.
Brasil e Estados Unidos cultivam há muito tempo uma relação madura, diversificada e estratégica. No ano passado, comemoramos 200 anos de laços diplomáticos, que remontam à época em que o presidente James Monroe recebeu José Silvestre Rebello em Washington como o primeiro enviado do recém-independente Império do Brasil. Nossa parceria resistiu a conflitos globais, crises econômicas e transições políticas graças aos valores que compartilhamos: democracia, respeito ao Estado de Direito e um compromisso geral com a cooperação internacional pacífica. Esses princípios não são meras abstrações. São a base sobre a qual nossas sociedades se sustentam e exigem vigilância constante e respeito mútuo, especialmente em tempos de divergência.
A afirmação do senhor Trump de que os Estados Unidos sofrem uma relação comercial injusta e não recíproca com o Brasil é contrariada pelos fatos. Segundo dados do governo dos EUA, somente em 2024 o superávit comercial dos EUA com o Brasil atingiu US$ 7,4 bilhões. Quando os serviços são incluídos, de acordo com cálculos do governo brasileiro baseados em dados dos EUA, o valor sobe para US$ 28,6 bilhões, fazendo do Brasil o terceiro maior contribuinte para o superávit comercial global dos EUA, considerando bens e serviços. Nos últimos 15 anos, os Estados Unidos acumularam superávits recorrentes e significativos em bens e serviços com o Brasil, totalizando US$ 410 bilhões.
A imposição de uma tarifa geral de 50% não é apenas desproporcional, mas também contrária às regras do comércio justo. Tais medidas minam a segurança jurídica para empresas e investidores, perturbam as cadeias globais de suprimento e violam o espírito de cooperação que define nossa relação. No Brasil, respondemos a esses desafios com respeito à lei, às normas internacionais e ao nosso mandato constitucional de defender o interesse nacional — inclusive, se necessário, por meio de medidas recíprocas.
O senhor Trump afirmou que as tarifas estão relacionadas aos processos judiciais em curso contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de participar de uma tentativa de golpe, a qual Trump chamou de “caça às bruxas”. Como procurador-geral, devo enfatizar que o governo brasileiro rejeita categoricamente qualquer tentativa de interferência externa em nossos processos judiciais. Os processos legais em andamento contra indivíduos acusados de tentar subverter nossa democracia em 8 de janeiro de 2023 são domínio exclusivo do Judiciário independente do Brasil. Nenhum governo estrangeiro tem o direito de ditar ou questionar a administração da justiça em nosso país. A defesa da legalidade e da autonomia das nossas instituições são pilares inegociáveis da nossa democracia.
As outras alegações do senhor Trump na semana passada sobre censura a empresas de tecnologia dos EUA e ataques à liberdade de expressão no Brasil também são infundadas. No Brasil, o direito à liberdade de expressão é protegido, mas não deve ser confundido com o direito de incitar violência, cometer fraude ou minar o Estado de Direito — limitações amplamente reconhecidas em sociedades democráticas. No mês passado, nosso Supremo Tribunal reconheceu que, em certas circunstâncias, plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros que violam o Estado de Direito, como aqueles envolvendo pornografia infantil ou outros conteúdos ilícitos, incluindo incitação a ações antidemocráticas ou discurso de ódio. Todas as empresas, nacionais e estrangeiras, que atuam no Brasil estão sujeitas às nossas leis, assim como empresas brasileiras cumprem as normas dos EUA quando operam naquele país.
Este é um momento crítico. Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo brasileiro permanece comprometido com uma relação construtiva e pragmática com os Estados Unidos, fundada no respeito à soberania, à legalidade e ao Estado de Direito. Nossas diferenças devem ser resolvidas por meio do diálogo, da negociação e do respeito mútuo — e não por ameaças ou medidas punitivas.
Nossos países já superaram desafios maiores no passado. A força da nossa parceria está em nossa capacidade de lidar com as divergências, ao mesmo tempo em que mantemos os princípios que nos unem. O Brasil continuará a defender sua soberania, a integridade do seu sistema jurídico e os interesses do seu povo, buscando maneiras de aprofundar a cooperação com os Estados Unidos a serviço da paz e da prosperidade globais.
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