Servidores que realizaram empréstimos consignados em Mato Grosso possuem parcelas, registradas no Portal do Consignado, que são identificadas como "indeterminado".
Extratos de ao menos três servidores, que ingressaram com ações judiciais contra os agentes financeiros, mostram a suspeita de fraude, revelada na quarta-feira (04.12) representação feita pelo Sindicato dos Profissionais da Área Meio do Poder Executivo (Sinpaig).
Nos últimos meses, um número crescente de servidores públicos estaduais tem relatado dificuldades financeiras decorrentes de contratos de empréstimos consignados. Uma investigação conduzida pela reportagem do revelou que muitos trabalhadores enfrentam graves problemas, principalmente com empresas que oferecem cartões consignados, cartões de crédito e cartões benefício.
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A promessa de facilidade que se transforma em armadilha
Essa modalidade funciona como uma combinação de empréstimo e cartão de crédito, porém, de acordo com os relatos obtidos, se trata de cartões virtuais. Servidores contratam o serviço atraídos pela praticidade, mas acabam presos em uma verdadeira armadilha. Em vez de parcelas fixas e previsíveis, como nos empréstimos tradicionais, eles enfrentam juros exorbitantes, taxas pouco transparentes e parcelas indeterminadas que se acumulam descontroladamente.
A reportagem ouviu diversos servidores, que preferiram não se identificar por receio de represálias. Um deles, em áudios enviados à advogada Rosana Lóris Azevedo, o servidor relatou nunca ter tido acesso aos cartões físicos consignados contratados, mas ainda assim está pagando as cobranças. Ouça o áudio abaixo.
“Dra., já pedi uma vez os contratos do Click Banco e do Banco Capital, mas eles nunca me enviaram. Não tenho nada em mãos sobre esses cartões”, relatou o servidor.
Em outro áudio, ele acrescentou: “Esses dois cartões que mencionei para a senhora, dra., nunca sequer toquei neles. Não faço ideia de como funcionam, só sei que estou pagando”.
Já uma servidora, que conversou com a reportagem, enviou áudios detalhando sua peregrinação para obter acesso. O relato da servidora é alarmante. Ela contou que lhe ofereceram um cartão de crédito, mas, na verdade, tratava-se de um empréstimo consignado. "Peguei R$ 20 mil e, sem saber, estava devendo R$ 100 mil, sem conhecer o número de parcelas nem a data do contrato", relatou. Ouça os áudios.
Além desses depoimentos, a reportagem do teve acesso exclusivo a diversos extratos de contratação de empréstimos. Curiosamente, esses documentos não apresentam informações claras sobre o valor contratado ou o número de parcelas a pagar — constando apenas o valor das parcelas. Essa falta de transparência reflete também uma ausência de controle efetivo pela Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), permitindo que servidores contratem empréstimos consignados de diferentes bancos e modalidades sem regulação adequada, como revelam os extratos obtidos. Veja extratos no final da matéria.
Entre as empresas que oferecem consignados, cartões de crédito virtuais e cartões benefício a servidores do Governo de Mato Grosso estão EAGLE, TAORMINA, CAPITAL CONSIG, NEO CRÉDITO e PIX CARD.
“Estamos afundados em dívidas”
“Quando percebemos, já estamos afundados em dívidas que não param de crescer. O pior é que, ao tentar esclarecer com a empresa o que está acontecendo, ninguém dá respostas claras. Enrolam, não explicam quantas parcelas foram pagas, e fica difícil controlar porque tudo é feito por aplicativo”, desabafou outro servidor entrevistado.
A falta de transparência
Servidores que contratam esses serviços enfrentam grandes dificuldades para obter informações sobre os juros cobrados ou a forma de quitação do débito. Quando tentam acessar extratos ou documentos detalhados, enfrentam barreiras burocráticas que muitas vezes os levam a buscar apoio judicial.
A advogada Rosana Lóris, que representa um grupo de servidores, destacou a gravidade da situação. “Casamentos acabam, pessoas pensam em tirar a própria vida, entram em depressão. Isso é algo muito sério, e as autoridades parecem não perceber a gravidade do problema”, afirmou.
Ela também alertou sobre a situação financeira crítica de muitos servidores. “Estamos lidando com casos em que as pessoas não conseguem sequer saber qual é o saldo devedor ou como as parcelas são calculadas. É um desrespeito completo ao consumidor. Muitos servidores estão recebendo apenas R$ 400 ou R$ 800 por mês. Como alguém pode sobreviver com isso?”, questionou.
Suspeita de irregularidades
O Sindicato dos Profissionais da Área Meio do Poder Executivo (Sinpaig) identificou possíveis irregularidades em contratos firmados com o agente financeiro Capital Consig SCD S.A. As informações, obtidas com exclusividade pela equipe do , indicam problemas significativos em uma amostra dos contratos analisados.
Atualmente, a Capital Consig possui mais de 12 mil contratos de empréstimos ativos com servidores públicos do Estado de Mato Grosso, gerando uma receita total de R$ 11,8 milhões para o banco e seus parceiros financeiros, segundo os dados obtidos pela reportagem.
Em nota, a Capital Consig negou as acusações, atribuindo os problemas a “erros técnicos” já solucionados. O Governo do Estado, por meio da Seplag, também emitiu nota afirmando que aplicou a suspensão cautelar das operações da Capital Consig.
Outro lado
A reportagem do procurou a assessoria de imprensa da Seplag buscando explicações sobre o termo "indeterminado" nas consignações, mas até o momento não obtivemos respostas.
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