Por Bruna Puga*
A proteção ao bem de família é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo que o imóvel residencial utilizado pela entidade familiar não pode, em regra, ser objeto de penhora por dívidas. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de firmar um importante entendimento que relativiza essa proteção em situações específicas, com impactos diretos para empresários e famílias que utilizam seus bens pessoais como garantia de operações empresariais. A decisão, com impacto direto sobre empresários e famílias que misturam patrimônio pessoal e atividade empresarial, redefine os limites da proteção patrimonial e exige atenção redobrada na gestão de riscos.
A decisão foi tomada no julgamento do Tema 1261, que unificou o entendimento sobre a aplicação do artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990. Segundo o dispositivo, a impenhorabilidade do bem de família não se aplica nos casos de execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real pelo próprio casal ou entidade familiar. A novidade trazida pelo STJ está na forma como o ônus da prova deve ser distribuído entre credores e devedores, considerando a configuração societária da empresa devedora.
Quando apenas um dos sócios da empresa oferece o imóvel como garantia, o bem continua sendo presumidamente impenhorável. Nessa hipótese, cabe ao credor demonstrar que a dívida assumida trouxe benefício direto à entidade familiar. Já quando os únicos sócios da empresa são os mesmos que possuem o imóvel, a lógica se inverte: o bem passa a ser presumidamente penhorável, e é o casal que precisa provar que a dívida não gerou qualquer proveito para a família. Essa inversão do ônus da prova representa uma mudança relevante na jurisprudência e tende a influenciar a forma como garantias pessoais são estruturadas.
O STJ também reforçou que o devedor não pode atuar de maneira contraditória: ao oferecer o imóvel como garantia, ele assume os riscos jurídicos do negócio. Não seria compatível com os princípios da boa-fé e da segurança jurídica permitir que, posteriormente, a parte invoque a proteção do bem de família como escudo contra a execução da dívida. Essa leitura busca evitar abusos e oportunismos, especialmente em contextos empresariais que envolvem confusão patrimonial entre pessoa física e jurídica.
Empresários que oferecem seus imóveis residenciais como garantia de dívidas corporativas precisam entender que podem ter seu patrimônio pessoal atingido, a depender da estrutura societária e da formalização da garantia. O risco é maior quando os sócios da empresa são os mesmos que compõem o núcleo familiar proprietário do imóvel. Nessas situações, presume-se que houve benefício à família, o que pode autorizar a penhora, e cabe o casal provar o contrário. Por isso, é essencial avaliar juridicamente cada operação com cautela.
A expectativa é de aumento na judicialização em torno do Tema 1261, o que tende a gerar ainda mais incertezas para empresas e investidores. Em vez de aguardar definições judiciais, que podem demorar e variar conforme o entendimento dos tribunais, é essencial que os empresários adotem medidas preventivas, como revisar cláusulas contratuais, reorganizar estruturas societárias ou buscar orientações específicas com base no modelo de negócio. Esse tipo de preparação pode evitar longos embates judiciais e reduzir significativamente os riscos envolvidos.
Embora o entendimento do STJ não represente uma ruptura na legislação, ele sinaliza maior rigor na análise de casos em que há sobreposição entre patrimônio pessoal e atividade empresarial. A expectativa é que a decisão estimule uma onda de judicializações, com empresários buscando afastar a presunção de benefício familiar. Além disso, a tendência é que haja mudanças na forma como se estruturam garantias, exigindo mais cautela e planejamento jurídico por parte das empresas, especialmente em operações que envolvem bens familiares.
Diante desse cenário, a principal recomendação é que empresários contem com assessoria jurídica especializada ao oferecer qualquer bem pessoal como garantia de dívida corporativa. Avaliar o risco da operação, a composição societária da empresa e os impactos possíveis em caso de inadimplência é fundamental para evitar surpresas. A compreensão clara dos limites legais e das exceções à proteção do bem de família é, mais do que nunca, uma ferramenta de preservação patrimonial.
*Bruna Puga é sócia do escritório BP/F Advogados, especialista em contratos empresariais e estruturação de negócios
Siga o Instagram do VGN: (CLIQUE AQUI).
Participe do Canal do VGN e fique bem informado: (CLIQUE AQUI).