Por Williamon da Silva Costa*
Essa é a pergunta que não cala e que assombra as mulheres, que ao recorrerem a uma medida protetiva, hoje devem se questionar se realmente estão mais seguras ou apenas estão formalizando sua inclusão em uma lista de vítimas de violência?
Uma coisa é fato, quando a proteção falha, uma ou várias vidas viram estatística!
Para muitas brasileiras, a medida protetiva se transformou num símbolo ambíguo: ao mesmo tempo que representa o direito de dizer um basta, também é o início de uma contagem regressiva para a morte.
Infelizmente, uma medida protetiva hoje se transformou apenas em um alerta ao agressor de que sua vítima está tentando romper o ciclo da violência e, portanto, precisa ser punida por ele com mais rigor, muitas vezes com a morte!
O que era para ser instrumento de segurança se torna, muitas vezes, apenas mais um papel na gaveta do esquecimento institucional.
Quando a proteção legal não vem acompanhada de fiscalização, estrutura e acolhimento, ELA FALHA E MATA!
E não estamos falando de números, estamos falando de vidas!
Em 2024, o Brasil registrou 1.492 feminicídio, uma média de quatro mulheres assassinadas por dia. E o mais preocupante é que 28,3% dessas mulheres tinham medidas protetivas ativas quando foram mortas. O número de descumprimentos dessas medidas ultrapassou 100 mil, e os casos de tentativa de feminicídio aumentaram 19% em relação ao ano anterior.
Ao mesmo tempo, o número de medidas protetivas de urgência disparou. Foram 851.958 concessões em 2024, um aumento de 151% em apenas quatro anos. Mas de que adianta a quantidade, se a qualidade da proteção não acompanha?
Parece que o Estado faz de conta que está protegendo essas mulheres, quando, na verdade as empurram para a morte de forma humilhante, violenta e silenciosa.
Hoje o tempo de resposta da justiça no Brasil caiu. Em muitos Estados, a medida é concedida em até cinco dias. Mas isso não impede que a mulher seja morta. A frieza das estatísticas revela o que muitas vítimas já sabem de cor: a medida protetiva não basta sozinha para salvar vidas! É preciso uma rede de apoio ativa e eficiente para acolher e proteger essas mulheres, após a concessão das medidas.
Se o cenário nacional é grave, a situação em Mato Grosso é ainda mais alarmante. Em 2024, o estado registrou 47 feminicídios, mantendo a maior taxa proporcional do país: aproximadamente 2,5 mortes por 100 mil mulheres, QUASE O DOBRO DA MÉDIA NACIONAL!
E o mais chocante: apenas uma das vítimas tinha medida protetiva ativa no momento do crime. Isso revela uma enorme lacuna entre a teoria e a prática. Em um estado onde 17.910 medidas protetivas foram concedidas no mesmo ano, a ausência de acompanhamento, fiscalização e segurança deixou essas mulheres expostas, mesmo após recorrer ao Judiciário.
O número de descumprimentos de medidas em Mato Grosso também subiu: 3.171 casos em 2024, contra 2.904 no ano anterior. A impunidade continua sendo o combustível da reincidência.
E as consequências vão além da mulher assassinada: 41 das 47 vítimas eram mães, deixando 89 crianças órfãs, muitas vezes entregues à própria sorte, órfãos não só de mãe, mas também de um Estado que falhou em proteger.
A culpa não é da vítima. É do sistema e principalmente de quem dirige o sistema.
É preciso repetir quantas vezes for necessário: a culpa nunca é da mulher que denuncia. Ela faz sua parte. Busca ajuda. Acredita no sistema. O que mata é a omissão. É o descaso. É a falta de estrutura pública. É a falta de efetivo. É a falta de articulação entre as instituições do sistema de segurança pública de Mato Grosso. É a omissão institucional que ecoa mais alto do que qualquer medida judicial.
Além disso, o governo do Estado insiste em veicular propagandas institucionais vazias, alardeando, em seus sites, redes sociais e demais plataformas oficiais, uma suposta atuação eficaz na proteção das mulheres. No entanto, essa imagem de um Estado protetor e comprometido com os direitos femininos não passa de uma construção publicitária distante da realidade. Na prática, faltam ações concretas e políticas públicas eficazes. Apenas os mais ingênuos ainda se deixam enganar por esse discurso ilusório.
Me pergunto, cadê a rede de apoio as mulheres vítimas de violência de Mato Grosso? Cadê o protocolo de atendimento pós-medida protetiva? Cadê as viaturas e policiais especializados nesse tipo de ocorrência? Cadê o investimento nas tropas e nos concursos públicos? Por que a palavra da mulher não basta? Por que ela tem que praticamente implorar pela vida? Por que que a maioria dos profissionais da rede de apoio a essas mulheres ainda são homens? Por que uma medida protetiva em Mato Grosso leva tanto tempo para ser concedida? E principalmente por que esses agressores não ficam realmente presos? Por que de tanta impunidade?
É por tudo isso, que agressor se sente à vontade para matar porque sabe que dificilmente será impedido. Ele aposta na morosidade da resposta, na ineficácia da proteção e na ausência de fiscalização. E ele tem razão. Porque hoje, no Brasil e especialmente em Mato Grosso, ter uma medida protetiva não é garantia de segurança. É praticamente uma sentença velada de morte.
Uma medida protetiva só salva-vidas quando vem acompanhada de ações concretas, como fiscalização eletrônica ou presencial do agressor; acompanhamento da vítima por equipes especializadas; acesso imediato a abrigos e apoio psicológico; articulação e alinhamento institucional entre polícia, Judiciário, saúde e assistência social.
Sem isso, o que deveria proteger vira apenas uma notificação de que a mulher tentou sobreviver e foi ignorada.
O que queremos ser como sociedade?
Vamos continuar empilhando estatísticas e flores em memoriais de feminicídio? Ou vamos, de fato, construir uma política pública de enfrentamento à violência baseada em prevenção, acolhimento e responsabilidade?
Mato Grosso precisa liderar outra estatística, a da transformação. Precisa parar de investir apenas em marketing institucional e ir para a ação prática e efetiva na raiz da violência. Ser um Estado que implemente uma rede modelo de proteção real, eficiente e contínua. Ser exemplo de que é possível reverter o ciclo da violência antes que ele se complete com sangue.
Até lá, seguimos diante da pergunta que insiste em retornar: medida protetiva, proteção ou sentença?
Depende. Depende do Estado. Depende de nós.
Williamon da Silva Costa - Acadêmico de Direito - Unic*
Siga o Instagram do VGN: (CLIQUE AQUI).
Participe do Canal do VGN e fique bem informado: (CLIQUE AQUI).