Por Cícero Ramos*
O Brasil possui uma das legislações ambientais mais completas do mundo. O Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) determina que todo imóvel rural deve preservar uma área com vegetação nativa, a chamada Reserva Legal. Os percentuais variam conforme o bioma: 80% em áreas de floresta na Amazônia Legal, 35% em áreas de cerrado e 20% em regiões de campos gerais. No restante do país, o mínimo exigido é de 20%.
A legislação estabelece regras específicas para a agricultura familiar. Para imóveis com até quatro módulos fiscais, cuja área varia entre 5 e 110 hectares conforme a região, foi permitido considerar como Reserva Legal a vegetação existente naquela data, desde que não tenha havido novos desmatamentos após esse período. Qualquer supressão não autorizada a partir de então exige recomposição ou regeneração da vegetação nativa.
Segundo o CAFIR, até julho de 2020 o Brasil possuía 8,1 milhões de imóveis rurais ativos. O Atlas do Espaço Rural Brasileiro (IBGE, 2020) mostra que 81,4% dos estabelecimentos têm até 50 hectares, ocupando apenas 12,8% da área total, enquanto 15% estão entre 50 e 500 hectares e abrangem 28,8% da área. Com base nesses dados, estima-se que cerca de 7,2 milhões de imóveis, cerca de 89% do total, podem ser classificados como pequenas propriedades rurais, com até quatro módulos fiscais.
Este é o ponto central. Para muitos desse pequenos produtores rurais, a falta de informação e assistência técnica resultou em desmatamentos irregulares após 2008. Hoje, vivem com suas propriedades embargadas e enfrentam insegurança jurídica. Embora desejem se regularizar, a exigência de restaurar integralmente a vegetação, processo que pode levar décadas, compromete a continuidade de suas atividades econômicas. Em muitos casos, trata-se da única fonte de renda da família.
O país precisa, com urgência, de uma política pública que concilie conservação ambiental com viabilidade produtiva para os pequenos produtores rurais.
Paralelamente, o Brasil assumiu compromissos ambiciosos no cenário internacional. Pelo Acordo de Paris, o país se comprometeu a plantar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030.
Como cumprir essa meta e, ao mesmo tempo, resolver a situação de milhares de pequenas propriedades em condição irregular?
A resposta pode estar justamente onde está o problema: nas pequenas propriedades com até quatro módulos fiscais, onde houve desmatamento após 22 de julho de 2008. Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) oferecem uma solução, validada tecnicamente por instituições como a Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT), que apresenta casos de sucesso na região.
Os SAFs consistem no uso e manejo planejado da terra, integrando árvores, cultivos agrícolas, forrageiras e/ou criação de animais. Seus benefícios são amplamente reconhecidos: recuperação de áreas degradadas, aumento da biodiversidade, sequestro de carbono, geração de renda e diversificação da produção.
Apesar de seu enorme potencial, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) ainda não são reconhecidos de forma expressa pelo Código Florestal como alternativa válida para a recomposição da Reserva Legal em casos de desmatamento irregular ocorridos após 22 de julho de 2008 em pequenas propriedades rurais. Essa lacuna legal precisa ser corrigida.
É hora de o Congresso Nacional assumir o protagonismo. É preciso avançar com uma proposta clara e tecnicamente embasada para alterar o Código Florestal, permitindo que produtores com até quatro módulos fiscais possam regularizar sua situação ambiental por meio dos SAFs. Isso possibilitaria a saída de milhares de produtores da ilegalidade, sem abrir mão da produção, da dignidade e da sustentabilidade.
Críticos podem alegar que os SAFs não recompõem a vegetação nativa em sua forma original. No entanto, estudos da Embrapa demonstram que esses sistemas restabelecem as funções ecológicas essenciais da floresta: proteção do solo, conservação da biodiversidade e sequestro de carbono. É uma solução que alia inteligência técnica à realidade do campo.
Mais do que uma mudança legal, a regulamentação dos SAFs cria segurança jurídica ao trazer uma solução clara e técnica para um impasse legal a esses pequenos produtores e assegura que o país cumpra seus compromissos internacionais de enfrentamento às mudanças climáticas. Ao assumir essa pauta, o Parlamento reafirma seu papel como espaço legítimo para a construção de consensos e soluções.
Para garantir a efetividade dessa política, é essencial que essa regulamentação seja acompanhada de critérios técnicos claros, definidos por órgãos competentes, e com implementação monitorada por profissionais habilitados, como engenheiros florestais e agrônomos. Além disso, para que essa alternativa seja realmente viável, é preciso garantir apoio concreto: acesso a crédito de baixo custo, assistência técnica especializada e remuneração por serviços ambientais.
Essa é a reforma verde que o campo precisa. Reconhecer os Sistemas Agroflorestais como alternativa para recomposição da Reserva Legal em pequenas propriedades não é flexibilizar a lei — é fortalecê-la com inteligência, justiça social e avanço técnico. É transformar um passivo ambiental em ativo, inclusão e protagonismo. É dar ao pequeno produtor a chance de ser parte da solução.
*Cícero Ramos é engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Florestais.
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