por Rojane Marta*
Os números mais recentes sobre violência contra mulheres em Mato Grosso escancaram a fragilidade da rede de proteção, a recorrência das agressões e o perfil previsível das vítimas. A cada novo relatório divulgado por órgãos públicos, uma constatação se repete: as mulheres estão sendo mortas após sucessivas falhas do Estado em interromper ciclos de violência.
Em 2024, foram 47 feminicídios confirmados no estado, um número que mantém o patamar dos anos anteriores e reforça a brutalidade dos crimes. A maior parte dessas mortes aconteceu na casa das vítimas e foi cometida por companheiros ou ex-companheiros. Armas brancas lideram como o meio empregado. Os assassinatos não são casos isolados: 89 filhos ficaram órfãos, quatro crianças presenciaram os crimes e outras perderam pai e mãe no mesmo dia.
O padrão se repete em quase todos os registros. Mulheres entre 18 e 49 anos, com baixa escolaridade, em relações afetivas marcadas por controle, ciúme e histórico de agressões. Muitos dos agressores já tinham passagem por violência doméstica e mais da metade dos assassinatos ocorreram após a recusa da vítima em continuar o relacionamento. Em pelo menos 192 dos 215 casos analisados, as vítimas não tinham nenhuma medida protetiva em vigor. Mais de 70% sequer tinham boletim de ocorrência registrado contra os agressores.
Relatórios do Ministério Público e da Polícia Civil mostram que mesmo com indícios claros de risco, o sistema falha na prevenção. Em 2024, 17.391 medidas protetivas foram expedidas, mas na prática, essas ordens judiciais pouco impediram a escalada da violência. Em muitos casos, a vítima sequer foi ouvida formalmente antes de ser morta.
O cenário de 2025 não é melhor. Até julho, 26.666 mulheres foram registradas como vítimas de violência em Mato Grosso, sendo 11.350 por ameaça, 5.886 por lesão corporal e 3.053 por injúria. Outras 240 denúncias foram por estupro e 419 por importunação sexual. O comparativo anual mostra que o número total de ocorrências segue em patamares elevados: foram 48.357 registros em 2023 e 48.202 em 2024.
O Estado também conhece quem são essas mulheres. Mais de 60% das vítimas são pardas ou pretas, e a maior parte delas tinha grau de instrução entre o ensino fundamental e o médio. O perfil das vítimas mostra que a violência atinge com mais força mulheres com menos acesso à informação, justiça e mecanismos de proteção.
A maior parte dos crimes ocorre à noite, dentro de casa, nos fins de semana. E embora os registros estejam espalhados por todo o estado, os municípios de Cuiabá, Sinop, Rondonópolis e Várzea Grande concentram os maiores índices. Ainda assim, não há resposta proporcional em políticas públicas, nem ações preventivas em larga escala.
A análise dos processos também reforça a lentidão e o desfecho insuficiente da Justiça: apenas 102 dos casos de feminicídio resultaram em sentença de pronúncia ou condenação. Em outros 38, houve extinção da punibilidade, muitas vezes por morte do agressor. Casos de desclassificação ou arquivamento também são registrados.
Enquanto isso, a violência cotidiana se naturaliza. As estatísticas não revelam apenas agressões físicas ou mortes. Elas refletem uma sociedade que ainda hesita em proteger mulheres de seus agressores. Os dados mostram que as vítimas avisam — com boletins, pedidos de socorro, lesões, ameaças, tentativas anteriores — e que o sistema, reiteradamente, demora a reagir.
O ciclo da violência é conhecido. A reincidência dos padrões também. O que falta é prioridade política, eficiência institucional e responsabilização em todos os níveis. Campanhas de conscientização são importantes, mas não bastam diante de números que demonstram o fracasso de um sistema que assiste mulheres morrerem após sucessivos sinais de alerta ignorados.
*Rojane Marta, jornalista e diretora da agência Araújo Comunicação
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