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Entrevista da Semana Sábado, 26 de Outubro de 2024, 15:00 - A | A

Sábado, 26 de Outubro de 2024, 15h:00 - A | A

Entrevista da Semana

Presidente da Undime defende investimento em políticas públicas duradouras para Educação

O presidente nacional da Undime não acredita que o modelo militar consegue atingir o desafio da escola pública, que é acolher todos os estudantes

Adriana Assunção & Edina Araújo/VGN

O presidente nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, destacou a importância de os novos gestores eleitos para 2025 implementarem políticas educacionais de longo prazo.

Costa Lima avaliou que os novos prefeitos devem dar continuidade às políticas públicas bem-sucedidas das administrações anteriores, sem deixar de aprimorá-las, trazendo suas novas ideias. Segundo ele, o segredo do sucesso está no investimento em políticas públicas "duradouras".

"É claro que cada novo gestor chega com inovações e novas ideias, que poderão fortalecer e aprimorar as políticas e os projetos em andamento. A Educação precisa de políticas mais sólidas e estruturantes, com visão de longo prazo. Não é possível transformar a Educação com políticas imediatistas e de curtíssimo prazo. É necessário pensar em políticas duradouras", afirmou o presidente da Undime.

Ele citou o município de Sobral, no Ceará, como exemplo de sucesso na continuidade de políticas públicas, destacando também a contribuição da Undime para os novos gestores. Segundo ele, a agenda dos 100 primeiros dias na área da Educação e o Caderno de Fundamentos, Práticas e Políticas servem como importantes orientações. "Esses materiais permitem que os gestores se familiarizem com os indicadores e o funcionamento do sistema municipal de ensino", afirmou Alessio.

O presidente da Undime ressaltou que muitos países desenvolvidos adotaram o ensino integral e classificou a jornada de quatro horas, comum no Brasil, como uma limitação. "Precisamos expandir essa jornada, mas com qualidade", destacou.

Alessio Costa Lima também abordou as modalidades de ensino integral e cívico-militar. Segundo ele, o modelo cívico-militar busca uma solução imediatista para a questão da violência, mas perde o foco no verdadeiro objetivo da educação.

"Respeitamos as diferentes concepções, mas nossa visão de educação é muito mais ampla. Ela não se limita a uma solução mágica e urgente para um problema que nem é da escola. A violência é um problema maior, estrutural, relacionado à desigualdade da sociedade brasileira", avaliou o presidente.

Ele acrescentou que não acredita que o modelo militar seja capaz de enfrentar o principal desafio da escola pública, que é acolher todos os estudantes, especialmente diante das desigualdades socioeconômicas das famílias. Alessio enfatizou que há estudantes em situação confortável, enquanto outros vivem na miséria. "Não acredito que o regime militar seja o caminho para acolher carinhosamente essas crianças", concluiu.

Confira na íntegra a entrevista

VGN – O professor afirmou que a Educação no Brasil ainda está muito arcaica. Disse que a maioria de outros países já tem o tempo integral, enquanto no Brasil funciona a escola é ampliada. O que fazer para que possa melhorar essa condição no país?

Alessio Costa Lima – No Brasil temos ainda uma longa caminhada pela frente. Garantir o direito à educação passa por garantir o acesso a essa educação. Durante muitos anos a educação no nosso país, era uma educação de qualidade para poucos, uma minoria. Gradativamente foi universalizando o acesso ao ensino fundamental, agora estamos trabalhando no acesso à educação infantil, tentando atingir a meta do Plano Nacional da Educação, mas dentro de um desenho ainda pautado no modelo de educação mínima de quatro horas de atividade diária.

De fato: quando a gente conhece outras experiências, de países, não têm uma jornada de educação mínima de quatro horas. Nesses países percebemos uma jornada mais ampliada, um tempo de fato integral, para permitir que se faça uma educação que desenvolva a criança em toda a sua integralidade, em todas as suas dimensões, não só na cognitiva, mas na afetiva, na psicomotor, na questão social, cultural, a questão da arte é muito importante no desenvolvimento da pessoa.

VGN - O senhor avalia como uma limitação o período de quatro horas?

Alessio Costa Lima - Nós ainda estamos limitados a quatro horas, onde basicamente a gente se volta para as questões de disciplina, componentes curriculares voltados ao aspecto somente cognitivo. Então, a gente precisa expandir essa jornada, mas expandir essa jornada com qualidade.

Fazer uma educação integral que trabalha a criança em suas várias dimensões para que a gente, de fato, tenha um desenvolvimento pleno do ser humano, como está previsto na nossa Constituição. Então, esse é o nosso desafio do momento, já que nós estamos vencendo essa fase, garantir o acesso a toda a população brasileira à escola, melhorar essa escola e essa melhoria passa pela ampliação da sua jornada escolar.

VGN - O senhor falou sobre a continuidade do ensino, que entra um Governo, sai outro e eles começam a mexer. O senhor citou o Ceará como uma referência da educação no país que tem continuidade. O que precisa ser feito para que esses gestores entendam que a Educação é uma questão de política pública de Estado e não de política partidária?

Alessio Costa Lima - Essa compreensão ainda falta aos nossos políticos. Eles têm a visão de fazer uma política para o seu Governo, ou seja, uma política para os seus quatro anos ou para os seus oito anos, quando ele consegue uma sucessão. A marca é o individualismo, é a marca da pessoa do prefeito, é a marca da pessoa do governador, ou mesmo que seja do presidente. Então, não se pensa de fato na população. Políticas públicas, como o próprio nome está dizendo, devem ser políticas de Estado. E o governo que é eleito, ele está lá para administrar aquelas políticas de Estado. Então, se a gente trabalha com modelos de a cada ciclo de quatro anos, você vem e coloca a sua marca, quer deixar a sua marca, rejeita tudo que já vinha sendo feito em curso, toda a caminhada, e vai começar do zero. Então, esse recomeçar do zero a cada quatro anos, é que quem paga o preço alto disso é a população brasileira.

VGN – A política de continuidade é importante para a Educação, mas como o novo gestor deve atuar?

Alessio Costa Lima - Percebemos a descontinuidade das políticas públicas no nosso país em todas as áreas. A Educação necessita de políticas mais sólidas. Políticas mais estruturantes de longo prazo. Não dá para fazer transformação na educação com políticas imediatistas de curtíssimo prazo. Ou seja, você tem que pensar em uma política que seja duradoura. Ela pode, sim, passar por aperfeiçoamento, por transformações, mas que ela tenha esse ciclo de continuidade que vai evoluindo e vai melhorando a cada nova gestão de governos que vão chegando.

VGN – O segredo é adotar políticas a longo prazo?

Alessio Costa Lima - Então, o segredo, realmente, de países que hoje estão em um nível de desenvolvimento muito mais além do nosso, é justamente que, nesses países, de fato, as grandes políticas públicas, em todas as suas áreas, são políticas pensadas a longo prazo. E é nisso que precisamos melhorar a cultura dos nossos gestores públicos, principalmente nós que somos da educação. Precisamos ter essa continuidade dessas políticas e seu aprimoramento. É claro que cada um eleitos, chega com inovações, chega com novas ideias que poderão fortalecer e melhorar as políticas e cursos.

VGN – Qual a recomendação que o senhor faz aos próximos gestores?

Alessio Costa Lima - O nosso desejo é que, principalmente no próximo ano, que vamos ter a posse dos novos prefeitos eleitos. Há uma mudança significativa do número, mais de 50% serão prefeitos novos, eleitos pela primeira vez. É importante que esses prefeitos cheguem com a sabedoria e a sensibilidade para ver o que tem de bom em curso, que vinha dando resultado, e eles possam continuar com essas políticas, melhorando e aperfeiçoando. Fazendo com que, ao término de sua gestão, essas políticas que ele recebeu, que elas tenham alcançado um patamar de qualidade muito superior, mas sem começar do zero. Então fica esse nosso sentimento de acreditar que a gente possa estar caminhando nessa evolução que ela é necessária. 

VGN – A Undime pode reunir com os novos gestores que vão assumir a partir de 2005? Tem alguma iniciativa para chamar esses prefeitos e falar da importância da continuidade?

Alessio Costa Lima – A Undime, ciente dessa importância de termos a continuidade das políticas educacionais, principalmente aquelas mais estruturantes. A cada ciclo de nova gestão, a gente produz duas peças muito importantes, dois documentos. Um é a agenda dos 100 primeiros dias na área da Educação e outro se chama de Caderno de Fundamentos, Práticas e Políticas.

VGN – Qual a orientação para os 100 primeiros dias na área da Educação?

Alessio Costa Lima – Nesses primeiros 100 dias que ele [secretário] vai tomar ciência de como estava a situação da Educação do seu município, vai ter condição de se apropriar dos indicadores, da forma de funcionamento do sistema municipal de ensino. Se não tiver foco, ele pode se perder no excesso de informação. Então, ele precisa ter foco, ter trabalhado de forma canalizada para de fato, o que é realmente prioritário. Então, essa agenda é importantíssima, ela serve justamente para dar esse norte a quem está chegando.

VGN – Pode explicar sobre o Caderno de Fundamentos, Práticas e Políticas, o segundo documento disponibilizado aos gestores?

Alessio Costa Lima – É uma parceria com a Fundação Santillana e Unicef, que nos apoiam nessa iniciativa há muitos anos. Esse caderno é um documento mais elaborado. É um documento mais denso, é um documento teórico, que traz algumas reflexões sobre a importância da educação, as concepções da educação, como se trabalhar a questão da educação, as políticas que estão sendo desenhadas no âmbito do Governo Federal, para que ele tenha ciência dos programas, desenvolvidos no âmbito do MEC, no âmbito do FNDE, no âmbito do INEP, que é importante porque a gente não dá para trabalhar como uma ilha isolada. Embora tenha essa autonomia do município, o gestor precisa trabalhar suas políticas em articulação com as políticas do seu Estado e em articulação com as políticas federais.

Esse livro cumpre o papel de trazer esse olhar mais aprofundado sobre a questão dos fundamentos, que envolvem a educação, os cuidados, os erros e as atenções necessárias ao sistema educacional de ensino. Ela apresenta como colocar essas suas ações, as suas ideias em prática, fazendo essas interseções. Esses alinhamentos com as políticas em curso já no país, em âmbito nacional e estadual. 

VGN – O que o senhor pensa sobre as escolas cívico-militares, implementadas em Mato Grosso. O senhor acha que essas escolas são inclusivas, exclusivas? O que poderia fazer para melhorar a educação na totalidade? O senhor acha que esse é o caminho?

Alessio Costa Lima – Muitas vezes quando a gente se depara com um problema, a gente quer encontrar uma solução meio que imediatista. Um dos grandes problemas hoje da sociedade brasileira é essa questão da violência, que não é só no Brasil, mas no mundo inteiro. Numa busca rápida, aligeirada, de querer encontrar uma solução, decide militarizar as escolas.

Temos que saber fazer a separação, o que cabe, qual é o papel da escola, qual é o papel da educação, no sentido de formar a pessoa. Nosso papel é cuidar do desenvolvimento das pessoas, trabalhar nela e garantir que ela tenha acesso ao conhecimento da humanidade, que foi acumulado ao longo desse tempo, mas também cuidar daquela pessoa nas suas várias outras dimensões, propiciando sobretudo a interação, porque a criança não se desenvolve só com profissões ensinando, a criança se desenvolve em um ambiente saudável, interativo, onde ela possa participar, ela possa desenvolver seu grau de autonomia, seu grau de liberdade, seu grau de expressão. Então, todas essas características estão alinhadas ao setor da educação, aos profissionais de fases de educação, aos professores que foram formados para serem professores, para cuidar dessas outras dimensões.

Querer acreditar que somente blindando as escolas, transformando as escolas regulares em escolas militares, colocando uma disciplina rígida, uma disciplina que é espelhada no modelo de organização do Exército, trazendo esse modelo de disciplina militar para dentro da escola, onde a criança vai ser submetida a um ambiente mais austero, um ambiente mais rígido, um ambiente mais controlado, com intervenção maior dessa questão, mão é por aí que a gente está falando de desenvolvimento pleno da criança. Você vai acabar assegurando que talvez haja algumas melhorias aparentemente garantidas, como a criança num ambiente mais disciplinado, é inevitável que uma criança num local com uma disciplina propícia à aprendizagem consiga um melhor desempenho. A que custo nós vamos ter isso?

A gente acaba desvirtuando. O principal papel da escola ele se perde em nome dessa busca da solução dos problemas de violência nas nossas escolas, dos problemas de disciplina, porque a escola é um espelho da sociedade. Então todos os problemas que tem na sociedade, eles vêm para dentro da escola. Então, a gente tem que instrumentalizar. Em vez de criar novos modelos, e modelos para uns e outros não, modelos excludentes, ele nunca vai ser excludente. Um modelo desse não tem que ser excludente. Eu tenho que trabalhar, nossa concepção é de educação na totalidade e não educação só para uns, como eu falei. Então, eu tenho que pensar num modelo sustentável, num modelo que trabalhe a pessoa para ela desenvolver de forma plena. Então não é num modelo criando ilhas de excelência, aportando nem muito investimento numa escola X, porque naquela comunidade é uma comunidade mais violenta, aí vão colocar uma escola blindada com policiais, com professores que são também policiais e tudo mais, que eu vou assegurar que haja a transformação daquelas pessoas e o seu desenvolvimento de forma plena.

Então, assim, isso pode ser um equívoco. A gente respeita as concepções que as pessoas têm, mas a nossa concepção da educação é uma concepção muito mais ampliada. Não é limitada à busca de uma solução mágica e urgente para um problema que nem é da escola. O problema da violência é um problema maior, estruturante, da própria desigualdade da sociedade brasileira. Essas desigualdades socioeconômicas na nossa sociedade, onde uns têm muitos e outros não têm nada, alguns vivem numa situação bem confortável, outros vivem numa situação de miséria, numa situação de precariedade, mesmo nas condições básicas. Então, assim, essas crianças chegam todas na escola e nós temos que trabalhar com essas crianças independentes de onde elas venham. Então, assim, o desafio é muito maior.

O desafio da escola pública é muito maior, porque tem que ser uma escola que seja acolhedora e acolhedora para todos, para quem tem e para quem não tem e principalmente para quem não tem. Essas, sim, precisam ter um trabalho de maior atenção, um trabalho mais assistido, um trabalho de acolhimento e eu não acredito que é num regime militar que a gente vai conseguir acolher carinhosamente essas crianças.

VGN – Em Sobral, no Ceará, considerado um case de sucesso, tem escolas cívico-militares?

Alessio Costa Lima - Eu não conheço bem. Mas o modelo de Sobral de sucesso não passa pela implantação de escolas militares. O segredo lá passa pelo desenho de uma escola que cumpre a sua missão. E não é só uma escola de uma comunidade. Sobral tem uma política estruturante, que aposta principalmente no diagnóstico, uma política muito bem desenhada de monitoramento e de acompanhamento das suas redes de avaliação dos resultados e aprendizagens muito focados periodicamente sistematicamente todas as escolas são acompanhadas são assistidas. Tem um trabalho de supervisão que vai para dentro da sala de aula para assistir à aula do professor para viver com ele as dificuldades para buscar soluções conjuntas, então, ele nasce com esse diagnóstico, essa avaliação passa por todo um processo de formação dos professores que são mensalmente, eles têm um trabalho não só de planejamento assistido e acompanhado e orientado, mas também pelo processo contínuo de formação dos professores.

Se você quer de fato uma escola que cumpra seu papel maior, tem que investir na formação de todos os professores. Tem que investir na profissão para que ele aprenda a lidar com cada situação, com as questões da sua etapa, onde ele atua, e que ele tenha sempre muita clareza dos objetivos e aprendizagens que se espera de uma criança em cada etapa.

O segredo de Sobral é que ele procura fazer cumprir as aprendizagens de cada uma das etapas no seu período correto. Ou seja, a criança que na educação infantil já tem uma intencionalidade pedagógica, é uma educação infantil realmente estruturada, onde a criança já chega praticamente quase que sabendo ler já no ensino fundamental.

O ponto principal da política de Sobral começou investindo na alfabetização das crianças, porque a alfabetização é decisiva. Ela define toda a trajetória de sucesso ou de dificuldade de uma criança em toda a sua vida escolar.

Então, uma criança bem alfabetizada já vai seguir as demais séries, sempre agregando novos conhecimentos. Agora, uma criança que não consegue se alfabetizar ou tem uma alfabetização de uma forma muito precária e ela vai passando de série em série, ela só vai acumulando dificuldade. E as outras séries não vão ter a preocupação de recuperar aquilo que ela não aprendeu. Então, ela chega ao final com um nível de aprendizagem muito aquém. Não podemos aceitar que uma criança chegue até o 5º ano do ensino fundamental sem saber ler.

Eles apostaram muito nessa questão de avaliação, acompanhamento e formação de professores. E o outro ponto que é fundamental, a política de gestão das suas escolas. Os diretores passam por várias fases de seleção. Tem um processo final muito refinado com análise do comportamento dessas pessoas, antes de entregar à direção de escola.

A gente sabe que uma escola de sucesso começa com um bom diretor. Ninguém tem escola boa com diretor ruim.

VGN - A escola militar pode ser só uma transferência de uma coisa imediatista para tentar resolver um problema que é de Estado, que é uma questão de segurança pública?

Alessio Costa Lima - Se você tem uma política social justa, onde as pessoas consigam ter uma condição de bem-estar social e você consegue, com isso, minimizar situações de violência, de conflito na sociedade, a educação ficou para educadores, a educação ficou para professores, professores que sejam educadores. Então, é essa educação que eu quero para o meu filho e é essa educação que eu defendo para as outras crianças, que eu também quero o bem dessas crianças. Então, não é mudando a concepção de um modelo de educação para um outro modelo de educação, com a busca imediata de uma resposta para um problema externo, que eu vou garantir que, de fato, educação de qualidade, inclusiva, e de qualidade para todas as crianças. Porque também buscar modelos alternativos, que deem respostas imediatas a um preço elevadíssimo para uns, isso não é a política que nós queremos.

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