Milhares de servidores públicos de Mato Grosso se tornaram vítimas de um sistema de crédito consignado que transformou empréstimos modestos em dívidas astronômicas, configurando o que especialistas classificam como a maior crise de superendividamento já documentada no funcionalismo estadual. Os dados foram apresentados em audiência nessa segunda-feira (26.05), na instalação de uma Mesa Técnica discutir sobre o tema e encontrar soluções, encabeçada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE/MT).
Os números apresentados são estarrecedores: um funcionário público que contraiu R$ 2 mil hoje enfrenta uma dívida superior a R$ 700 mil. Outro servidor, que tomou emprestados apenas R$ 798, está sendo cobrado em mais de R$ 70 mil, comforme o oticias já havia antecipado em com exclusividade, que servidores que realizaram empréstimos consignados em Mato Grosso possuem parcelas, registradas no Portal do Consignado, que são identificados como "indeterminado".
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Estes não são casos isolados, mas exemplos de uma engrenagem que pode ter movimentado mais de R$ 1 bilhão, segundo estimativas apresentadas durante audiência pública, com representantes do governo do Estado, auditores do TCE, Assembleia Legislativa e sindicatos dos servidores.
Dados técnicos obtidos pelo Tribunal de Contas do Estado dimensionam uma crise que atinge proporções sistêmicas: 62 mil servidores envolvidos em operações de crédito consignado (quase 60% do funcionalismo estadual); 42,5% dos endividados já ultrapassaram limites normativos de comprometimento de renda.
Ainda conforme dados apresentados, mais de 20 mil servidores extrapolam o teto informal de 35% de comprometimento salarial. Seis mil funcionários comprometem acima de 60% de seus vencimentos; oito servidores têm mais de 90% do salário retido em parcelas.
Os repasses para empresas consignatárias saltaram de R$ 1,3 bilhão para R$ 1,7 bilhão nos últimos três anos, evidenciando o crescimento desenfreado desse mercado dentro do setor público estadual.
O Epicentro das Suspeitas
A investigação identificou a empresa Capital Consig como a principal suspeita no centro das operações questionáveis. A companhia apresentou crescimento superior a 1.000% em suas operações no Estado, um aumento que levantou alertas entre técnicos e parlamentares.
Durante a audiência pública, o deputado estadual Henrique Lopes (PT) foi categórico ao classificar o cenário como "um possível golpe" contra o servidor público mato-grossense, estimando que mais de 12 mil trabalhadores estejam envolvidos em operações suspeitas."A gente está falando de uma sangria desatada sobre aquilo que é o salário de parte dos servidores públicos. Há pessoas que pegaram R$ 3 mil e estão devendo mais de R$ 60 mil", afirmou o parlamentar durante a sessão.
Falhas Estruturais no Sistema
A investigação revelou que a ausência de legislação específica criou um ambiente propício para abusos. Atualmente, a margem consignável é regida apenas por decreto, que permite descontos de até 70% do salário líquido do servidor, somando empréstimos, cartões de crédito e consignados de benefício.
"Não existe teto legal. É um decreto confuso que permite esse grau de endividamento", declarou o conselheiro Sérgio Ricardo de Almeida, presidente do TCE-MT, classificando a situação como "uma bagunça generalizada na vida do servidor".
A auditora do TCE, Lisandra Barros, apresentou dados que confirmam o descontrole sistêmico, revelando casos de endividamento que sugerem possíveis fraudes, erros sistêmicos ou completa ausência de fiscalização.
Impactos Humanos e Sociais
Além dos aspectos financeiros, a investigação documenta consequências devastadoras na vida dos servidores afetados. O conselheiro Guilherme Maluf relembrou que, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada em 2018, surgiram relatos de servidores que chegaram ao suicídio devido à pressão das dívidas impagáveis.
"Estamos falando de uma questão de saúde pública. O servidor endividado perde a produtividade, a saúde mental e a dignidade", alertou Maluf durante a audiência.
Resposta do Poder Público
O governo estadual, por meio do secretário de Planejamento, Basílio Bezerra, informou que já determinou a suspensão de novos contratos com a Capital Consig e instaurou uma força-tarefa para apurar responsabilidades. No entanto, parlamentares e sindicatos classificaram as medidas como "insuficientes e intempestivas".
Entre os bancos que mais receberam repasses, estão o Banco do Brasil, Santander e Sicredi, além da questionada Capital Consig.
Medidas de Enfrentamento
A audiência culminou na instalação oficial da Mesa Técnica dos Consignados, coordenada pelo TCE-MT, com missão de promover debate amplo entre os atores envolvidos e propor soluções estruturais.
Medidas imediatas propostas:
• Revisão ou substituição do Decreto nº 691/2016• Suspensão cautelar das operações da Capital Consig• Bloqueio de novas averbações suspeitas• Criação de projeto de lei para regulamentar consignados• Ampliação de ações de educação financeiraA Mesa Técnica terá 90 dias para apresentar relatório com recomendações que serão monitoradas pelo Tribunal de Contas.
Desdobramentos
"O que vamos fazer daqui para frente precisa garantir que essa situação jamais volte a ocorrer. Não podemos mais permitir que o crédito consignado, que deveria ser um benefício, continue sendo uma armadilha para os nossos servidores", declarou o presidente do TCE, Sérgio Ricardo.
A investigação prossegue, com o Estado sob pressão para apresentar respostas definitivas sobre um esquema que pode ter comprometido a estabilidade financeira de milhares de famílias de servidores públicos em Mato Grosso.
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