Por Talissa Nunes*
Um novo decreto publicado pelo Governo Federal traz mudanças importantes no acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), benefício assistencial garantido pela Constituição Federal a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que comprovem baixa renda familiar.
A principal alteração está na inclusão do valor do Bolsa Família no cálculo da renda per capita familiar, critério essencial para a concessão do BPC. A nova regra foi estabelecida pelo Decreto nº 11.999/2024, de 20 de junho, e revoga um entendimento anterior mais benéfico ao cidadão.
O que muda na prática
Até então, o valor recebido pelo programa Bolsa Família era excluído do cálculo da renda familiar para fins de solicitação do BPC. Isso permitia que muitas famílias em situação de vulnerabilidade pudessem se enquadrar no limite de renda exigido pela lei, que atualmente é de 1/4 do salário mínimo por pessoa (R$ 379,50 em 2025).
Com a nova determinação, o valor do Bolsa Família volta a ser considerado como parte da renda familiar, o que pode resultar no desenquadramento automático de muitas famílias que hoje têm acesso ao BPC — ou impedir novas concessões. Em outras palavras, famílias que antes eram reconhecidas como de baixa renda podem, com a nova contagem, ultrapassar o limite exigido e ter o benefício negado.
Impactos sociais e jurídicos
A mudança tem impacto direto sobre populações extremamente vulneráveis, em especial idosos sem aposentadoria e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema. Trata-se de públicos que, muitas vezes, dependem exclusivamente do BPC para garantir o mínimo existencial — como alimentação, remédios e moradia.
Além disso, ao considerar o valor do Bolsa Família como parte da renda, o decreto pode provocar o que se chama de efeito-cascata, em que a perda de um benefício (como o BPC) também afeta a permanência em outros programas sociais.
Do ponto de vista jurídico, essa alteração levanta questionamentos sobre a efetivação dos direitos fundamentais, como o da dignidade humana e do acesso à assistência social garantidos pela Constituição. Há ainda possibilidade de questionamentos judiciais, especialmente em casos nos quais o BPC venha a ser suspenso com base exclusivamente na nova contagem da renda.
O que fazer em caso de negativa
Famílias que tiverem o BPC negado ou cancelado após essa mudança podem procurar um advogado especializado em Direito Previdenciário para avaliar a situação e, se for o caso, ingressar com recurso administrativo ou ação judicial.
É importante lembrar que, mesmo com a regra de renda, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que é possível analisar o caso concreto, considerando outros fatores de vulnerabilidade além da renda formal. Esse entendimento continua válido, e pode ser invocado em ações judiciais.
A inclusão do Bolsa Família no cálculo da renda familiar para fins de concessão do BPC representa um retrocesso na proteção social de milhares de brasileiros. Diante disso, é fundamental que os cidadãos estejam bem informados sobre seus direitos e busquem orientação jurídica especializada sempre que houver dúvida ou negativa injusta de benefício.
*Talissa Nunes é advogada especialista em Direito Previdenciário em Cuiabá-MT.
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