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Artigos Segunda-feira, 30 de Junho de 2025, 08:03 - A | A

Segunda-feira, 30 de Junho de 2025, 08h:03 - A | A

Angelo Silva de Oliveira*

Responsabilização das Big Techs: Censura ou Justiça Digital?

Por Angelo Silva de Oliveira*

Em 26 de junho de 2025, uma decisão histórica proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) promete revolucionar o cenário digital brasileiro. Pela primeira vez, gigantes da tecnologia como Google, Meta (responsável pelo Facebook, Instagram e Threads), TikTok e X (antigo Twitter) passam a compartilhar a responsabilidade por crimes cometidos dentro de suas plataformas. Esta medida vai além de um marco jurídico: representa um divisor de águas. Confronta a passividade das big techs e levanta uma pergunta central: estamos diante de censura ou de um avanço necessário rumo à justiça digital?

Até então, o Artigo 19 do Marco Civil da Internet exigia uma ordem judicial específica para que essas empresas fossem responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros. No entanto, o STF, ao apreciar o Tema 987 da repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade parcial e progressiva desse artigo, apontando uma omissão que falhava em proteger bens jurídicos constitucionais de alta relevância, como os direitos fundamentais e da própria democracia. Agora, a tese fixada pelo Supremo estabelece que, enquanto não houver nova legislação, os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvadas as disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE.

A mudança é drástica e necessária. As plataformas serão responsabilizadas civilmente, nos termos do artigo 21 do Marco Civil, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção imediata. Entre os crimes abrangidos, destacam-se: incitação ao suicídio ou automutilação, atos antidemocráticos, terrorismo, incitação à discriminação por raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (incluindo condutas homofóbicas e transfóbicas), crimes contra a mulher, crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, e tráfico de pessoas.

Além disso, a responsabilidade se estende a conteúdos veiculados por anúncios e impulsionamentos pagos ou por redes artificiais de distribuição (como chatbots ou robôs), situações em que a responsabilização pode ocorrer independentemente de notificação. Também abrange casos de contas denunciadas como inautênticas e, para crimes contra a honra, permite a remoção por notificação extrajudicial. Em especial, a reprodução de conteúdo ofensivo já reconhecido judicialmente impõe a todos os provedores de redes sociais o dever de remover as publicações idênticas, sem a necessidade de novas decisões judiciais, bastando uma notificação. Os provedores só se eximem de responsabilidade se comprovarem que atuaram diligentemente e em tempo razoável para tornar o conteúdo indisponível.

Por que essa mudança é tão importante? Porque, no dia a dia, milhões de brasileiros são vítimas de ataques, humilhações e calúnias nas redes sociais, enquanto as plataformas se esquivam da responsabilidade, alegando que "não é com elas". A lentidão da Justiça agrava a situação, e os danos, muitas vezes irreversíveis, são enormes. Casos de jovens que cometeram suicídio após ataques online, famílias destruídas por mentiras e candidatos derrotados por fake news são cicatrizes profundas em nossa sociedade. Enquanto isso, as plataformas continuam lucrando com cada clique, com a viralização desses conteúdos nocivos.

Imagine a situação: alguém cria um perfil falso com sua imagem, inventa que você cometeu um crime hediondo e espalha essa calúnia em grupos de WhatsApp ou através de vídeos virais no TikTok. Sua reputação é arrasada, seu filho sofre bullying na escola, seu emprego é comprometido. E, em meio ao caos, você escuta que tudo isso é justificado pela "liberdade de expressão". A decisão do STF é um grito contundente: não, isso não é liberdade; é crime. E quem permite que o crime circule e prospere deve, sim, responder por isso.

É crucial desmistificar: isso não é censura. Censura é silenciar opiniões divergentes, calar vozes. Aqui, estamos falando de proteger pessoas e a própria sociedade. A nova regra não proíbe ideias, críticas ou piadas; ela atinge apenas conteúdos que configuram crimes – atos que já são proibidos e punidos fora da internet. A responsabilidade das plataformas diz respeito à falha sistêmica em adotar medidas adequadas de prevenção ou remoção de conteúdos ilícitos graves. A mera existência isolada de um conteúdo ilícito não acarreta essa responsabilidade sistêmica, mas ainda assim incide o regime de responsabilidade do artigo 21 do Marco Civil.

E o que ainda precisamos? Falta o Congresso Nacional fazer a sua parte. Há anos, projetos de lei que visam regulamentar as redes sociais estão parados, muitas vezes por influência e lobby das próprias plataformas. Elas utilizam seus vastos recursos e alcance para manipular a opinião pública, vendendo a falsa ideia de que qualquer regulação é "censura". Mas regular não é censurar; é criar um arcabouço de regras que protejam o cidadão e garantam um ambiente digital mais saudável. O STF, inclusive, reforça o apelo ao Congresso Nacional para que elabore legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais.

Essa decisão do STF é um passo civilizado, que alinha o Brasil às melhores práticas internacionais. Outros países já perceberam a urgência de regulamentar esse espaço. A Europa, por exemplo, criou leis robustas, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e a Lei de Serviços Digitais (DSA), contra o ódio e a desinformação nas redes. Os Estados Unidos também debatem mudanças significativas. O Brasil está, finalmente, dando um passo importante para tornar a internet um lugar mais justo, seguro e decente. A decisão será aplicada prospectivamente, ou seja, para casos futuros, ressalvadas decisões já transitadas em julgado, buscando preservar a segurança jurídica.

Em suma, a internet precisa de ordem e lei. Quem lucra com o caos e a disseminação de crimes deve ser responsabilizado por ele. A decisão do STF é um avanço inegável na proteção da sociedade, um sinal claro de que, na era digital, a liberdade não pode ser um escudo para a violência e a irresponsabilidade. Afinal, se fosse com você, com sua filha, com sua mãe ou qualquer ente querido, você também desejaria justiça. E justiça digital é o que essa decisão começa a garantir.

Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 1.037.396. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160549. Acesso em: 28 jun. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 1.057.258. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5217273. Acesso em: 28 jun. 2025.

*Angelo Silva de Oliveira é controlador interno licenciado da Prefeitura de Rondonópolis/MT, presidente de honra da Associação dos Auditores e Controladores Internos dos Municípios de Mato Grosso (AUDICOM-MT), mestre em Administração Pública (UFMS), especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT), graduado em Administração (UFMT) e auditor interno NBR ISO 9001:2015.

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