por Rafael Campos*
A série da Netflix sobre Ayrton Senna da Silva emociona e inspira, sendo um sucesso avassalador. É impossível não se fascinar pela genialidade, coragem e determinação de um dos maiores ícones do Brasil. Ayrton não nasceu piloto de Fórmula 1; ele se fez, com esforço, disciplina e um talento incomparável. Mas a série nos provoca uma reflexão: além do talento, o que mais foi necessário para que ele alcançasse o topo? E o que acontece com os outros “Silvas” que, mesmo com talento, crescem em ambientes que não oferecem nada além de barreiras?
Ayrton Senna também é um Silva, no entanto um Silva que nasceu na exceção. Ele teve a oportunidade de crescer em um ambiente onde sonhos eram alimentados por estrutura. Desde cedo, ele não apenas corria de kart, mas vivia em um contexto que lhe permitia enxergar possibilidades. Ele cresceu observando a gestão empresarial na companhia de seu pai, compreendendo como criar conexões, acessar recursos e moldar sua carreira dentro e fora das pistas. Tudo isso, somado ao seu talento, lhe deu as ferramentas para trilhar um caminho que poucos conseguem sequer imaginar.
Mas, e os outros Silvas? No Mato Grosso, por exemplo, onde o esporte, de forma geral, sobrevive de improvisos e força de vontade, o cenário é outro. Aos 7, as crianças cuidam de casa. Aos 13, já decoraram as linhas de ônibus para trabalhar ou estudar. Aos 14, muitos deixam o lar para buscar um futuro incerto, sem saber por onde começar. A Fórmula 1, ou mesmo qualquer sonho de grandeza, não é apenas um desafio — é uma miragem. Não porque falta talento, mas porque falta acesso.
Entretanto, o acesso é apenas o início. Ele abre portas, mas é a oportunidade, aliada ao esforço, disciplina e compromisso, que conduz ao topo. Nem todos chegarão ao pódio, é verdade, contudo o esporte oferece algo ainda mais valioso: a formação de cidadãos melhores. Nos campos, nas pistas e nas quadras, aprendem-se valores que moldam o caráter — o respeito, o trabalho em equipe, a resiliência diante das derrotas e a humildade nas vitórias. Esses ensinamentos transcendem o palco esportivo e transformam vidas.
A tristeza não está no esforço dos Silvas, mas na injustiça de um sistema que os silencia. O que está em jogo não é apenas a chance de competir, mas de viver o esporte em sua essência, como uma ferramenta de inclusão e transformação. Porque mesmo que o sucesso nos holofotes não venha, o verdadeiro triunfo é carregar para a vida os valores que o esporte nos ensina.
A solução, embora complexa, começa no básico: democratizar o acesso. Criar projetos de base, investir nas periferias, construir centros de excelência em esportes e ensinar mais do que técnicas — ensinar que sonhar é possível. Transformar o esporte em política pública consistente e engajar empresas e investidores para que os Silvas sejam vistos. Ayrton Senna soube se aproveitar de cada oportunidade e brilhou, mas o maior legado que ele pode deixar é a inspiração para mudar a realidade de quem nunca teve nem mesmo uma largada.
Enquanto celebramos Senna, devemos lembrar que o circuito que o formou é exclusivo. Nossa sociedade celebra exceções, mas negligencia a base. E enquanto o esporte for privilégio, os Silvas continuarão sonhando em silêncio, aplaudindo os poucos que venceram enquanto carregam o peso de sonhos que nunca saíram do papel. Não é apenas no palco do esporte que o sucesso importa, mas em como ele pode transformar vidas, formando cidadãos que carreguem os valores do esporte — disciplina, trabalho em equipe, respeito e perseverança — para brilhar no palco da vida. Quem sabe quantos futuros campeões na vida só precisam de um primeiro kart, um primeiro campo ou, simplesmente, de alguém que acredite? Nós, como sociedade, precisamos enxergar nossos Silvas e lhes dar não só sonhos, mas também caminhos. Porque o talento não escolhe onde nascer, mas o sistema insiste em escolher quem pode vencer.
Rafael Campos é sócio-proprietário da BDL Sports, empresa de intermediação de atletas, negócios desportivos e do entretenimento
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