Por Angelo Silva de Oliveira*
Você vota, mas realmente sabe o poder que tem? O Brasil, com seus mais de 150 milhões de eleitores e um sistema de voto direto que nos coloca à frente de potências como os Estados Unidos, é uma das maiores democracias do planeta. Mas será que estamos exercendo todo esse poder em sua plenitude? Ou pior: será que estamos subestimando a força da nossa própria democracia enquanto ela é atacada de todos os lados?
Este não é apenas um artigo sobre "o que é democracia". É um convite para você descobrir por que a nossa democracia já tem elementos que a tornam única e, em muitos aspectos, superior, mas que permanecem invisíveis para a maioria. É hora de despertar para o verdadeiro potencial do poder do povo.
DEMOCRACIA: MUITO ALÉM DO VOTO NA URNA
A palavra "democracia" vem do grego antigo demos (povo) e kratos (poder), ou seja, "governo do povo". Sua origem remonta à Atenas do século V a.C., mas foi ao longo dos séculos que o conceito se expandiu, especialmente com o Iluminismo e os processos revolucionários modernos, como a Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos. Entre as formas de governo — como a monarquia, a oligarquia e a ditadura —, a democracia se destaca por permitir, ao menos em teoria, a soberania popular, o pluralismo político, o respeito aos direitos fundamentais e, sobretudo, a alternância de poder por meio de eleições livres e regulares.
Grandes pensadores como Norberto Bobbio nos ajudaram a moldar a compreensão contemporânea sobre a democracia. Bobbio destacou sua dimensão procedimental, afirmando que a democracia não é apenas um ideal, mas um conjunto de regras e procedimentos que permitem a participação dos cidadãos e a tomada de decisões coletivas. Para ele, uma democracia se define por quem está autorizado a participar e como as decisões são tomadas.
Entretanto, Bobbio também nos alertou sobre os "problemas" ou "promessas não cumpridas" da democracia. Ele observou que, muitas vezes, as democracias modernas não conseguem concretizar plenamente seus ideais de autonomia, igualdade e participação. Questões como a persistência de poderes invisíveis (grupos de interesse, lobbies), a sub-representação de alguns grupos sociais e o excesso de burocracia podem limitar a capacidade dos cidadãos de realmente influenciar as decisões. Esses desafios são muito relevantes para o contexto brasileiro, onde a influência econômica e a complexidade do sistema ainda afastam o cidadão comum da política.
A democracia, embora traga conquistas inegociáveis como liberdade de expressão e voto universal, é frágil. Está sempre ameaçada por distorções como a corrupção, a desinformação, o populismo e o poder econômico desmedido. Vigilância é parte do preço da liberdade.
O MODELO BRASILEIRO: UM PASSO À FRENTE?
Curiosamente, embora os Estados Unidos (EUA) sejam considerados o “berço moderno” da democracia, com sua Constituição datada de 1787, o Brasil apresenta hoje avanços importantes que o colocam à frente em termos de representatividade popular.
Nos EUA, por exemplo, o voto presidencial é indireto. A escolha é feita por representantes de partidos políticos no colégio eleitoral, que tem o poder real de eleger o mandatário, muitas vezes à revelia da vontade da maioria da população – como ocorreu em 2000 e 2016, quando o candidato com menos votos populares venceu a eleição presidencial. No Brasil, o voto é direto. Cada cidadão tem o mesmo peso na escolha do chefe do Executivo e dos membros do Legislativo em âmbito municipal, estadual e nacional. Não há intermediários. Isso é democracia em sua forma mais pura.
Outro diferencial relevante é o financiamento de campanhas. Enquanto nos EUA predomina o financiamento privado, o que transforma as eleições em verdadeiros leilões de influência, o Brasil deu um passo histórico rumo à democratização da política. Após os escândalos do mensalão e da Lava Jato, que expuseram o sistema de corrupção e compra de apoio parlamentar por meio de financiamentos ilegais de campanha, o Supremo Tribunal Federal proibiu, em 2015, as doações de empresas a candidatos e partidos (ADI 4650). Em seu lugar, foi instituído o financiamento público de campanhas, por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), criado pela Lei nº 13.487/2017.
Esse fundo, composto por recursos do Orçamento da União, busca garantir isonomia entre os candidatos, reduzindo a influência do poder econômico e promovendo a igualdade de oportunidades no pleito eleitoral. Para 2026, a estimativa do fundo eleitoral pode superar a marca de R$ 5 bilhões, um montante expressivo que, bem utilizado, pode garantir eleições mais justas e representativas.
RUMO A UMA DEMOCRACIA VERDADEIRAMENTE DO POVO
Essa mudança de paradigma pode representar o nascimento de uma nova etapa da democracia brasileira: uma democracia do povo, financiada pelo povo, voltada para o povo. No entanto, a população ainda não se deu conta da transformação em curso. Muitos cidadãos honestos e comprometidos com o bem comum ainda acreditam que é impossível disputar uma eleição sem o apoio de grandes empresários ou grupos econômicos.
Mas hoje, um cidadão ou cidadã comum pode, sim, ser eleito sem "vender a alma" para o capital privado. Basta entender o caminho: filiar-se a um partido político, construir alianças internas, disputar espaços de decisão, compreender o funcionamento das convenções, das regras eleitorais e do acesso aos recursos do fundo público. Com organização, apoio da comunidade e engajamento verdadeiro, é possível lançar candidaturas legítimas e com reais chances de vitória.
AMPLIANDO A DEMOCRACIA: QUANDO A VONTADE POPULAR DEVE FREAR OS PRIVILÉGIOS DO PODER
Apesar dos avanços na democracia representativa, é essencial que o Brasil fortaleça também os mecanismos de democracia direta. Instrumentos como referendos, plebiscitos e leis de iniciativa popular são fundamentais para que a sociedade civil exerça controle efetivo sobre o poder, funcionando como legítimos freios e contrapesos institucionais.
Tomemos como exemplo decisões que, embora legais sob o ponto de vista formal, afrontam princípios fundamentais da Administração Pública, como a impessoalidade, o interesse público e a segregação de funções. É inadmissível que o próprio Parlamento — em suas esferas municipal, estadual ou federal — delibere sobre reajustes salariais e benefícios para seus próprios membros, ignorando os sacrifícios da população que os elegeu. Tão grave quanto é o caso de setores do Judiciário, como em Mato Grosso, que, por meio de resoluções administrativas, concedem vantagens como o “vale-peru” de R$ 10 mil, mesmo a magistrados que já recebem o teto — ou até acima dele.
Essas benesses, disfarçadas de vantagens eventuais, atentam contra o princípio da moralidade pública e escancaram o abismo entre a elite do serviço público e a maioria dos brasileiros, que sobrevive com um salário mínimo. Mais do que distorções administrativas, são decisões eticamente inaceitáveis — e que jamais deveriam ser tomadas sem o aval direto da população, que, em última instância, é quem paga a conta.
É justamente nesse contexto que os mecanismos de democracia direta ganham importância estratégica. Submeter temas de grande impacto social e orçamentário à consulta popular amplia a legitimidade das decisões e aproxima representantes de seus representados.
A Constituição de 1988 é clara: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único).
O Brasil já vivenciou o poder transformador da participação cidadã com a Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), resultado de uma mobilização popular que converteu indignação em política pública. Precisamos repetir e ampliar esse exemplo. A verdadeira democracia não teme a vontade do povo — ela se alimenta dela.
VIGILÂNCIA CONSTANTE EM DEFESA DA DEMOCRACIA BRASILEIRA
A democracia é viva, um organismo que exige constante cuidado e aprimoramento. A jovem democracia brasileira, que tão duramente conquistamos, é de tempos em tempos atacada, como lamentavelmente observamos nos atos criminosos após as eleições de 2022, que culminaram com o fatídico dia 8 de janeiro de 2023.
É imperativo que nós, cidadãos brasileiros e verdadeiros patriotas, permaneçamos inabaláveis na vigilância. Muitos daqueles que atacaram nossa democracia em 2022 e 2023, especialmente seus mentores, continuam à solta, dentro e fora do Brasil. Essa "turma" – cujas articulações visam enfraquecer nossas instituições e minar a confiança no sistema eleitoral – pode, sim, estar tramando novos golpes. Subestimá-los é arriscar o futuro da nossa democracia.
É hora de reconhecer que a polarização que tanto nos divide é, muitas vezes, fabricada. Ela desvia o foco do que realmente importa: a construção de um país mais justo, próspero e equitativo para todos. Brasileiros e imigrantes que aqui vivem, somos um só povo. Nossa força reside na união e no fortalecimento da nossa nação, para que todos tenham qualidade de vida e bem-estar.
CONSCIENTIZAÇÃO E PROTAGONISMO: A CHAVE PARA O FUTURO
O Brasil tem, hoje, uma janela histórica para se tornar a maior democracia do mundo, não apenas em números, mas em legitimidade e representatividade. Para consolidarmos essa "democracia do povo", falta conscientização popular.
É preciso que o povo brasileiro entenda que a política não é apenas para os ricos ou para os que já estão no poder. O sistema está aberto, ao menos juridicamente, para permitir que trabalhadores, professores, agricultores, jovens, mulheres, negros, indígenas e todas as vozes do Brasil tenham assento nos espaços de poder.
Mas isso só será possível quando deixarmos de ser apenas eleitores e passarmos a ser protagonistas do processo decisório, por exemplo, ocupando espaço nos partidos, disputando ideias, defendendo causas, escolhendo nossos representantes com consciência e, por que não, sendo esses representantes.
E aqui falo por experiência própria: sem qualquer experiência prévia em processo eleitoral e sem os recursos significativos do financiamento público ou privado, tive a coragem de me lançar candidato a vereador por Cuiabá, capital de Mato Grosso. Tive a honra de receber uma votação expressiva nas eleições de 2008 e 2012, especialmente se considerarmos o contexto da época e as condições disponíveis. Essa confiança de parcela da sociedade, conquistada na época sem grandes recursos ou histórico, contribuiu para eleger representantes da sigla partidária à qual era filiado e me permitiu ser eleito como suplente. Acredito que essas duas experiências de um cidadão comum ocupando um espaço na política, sem dúvida, serviram de inspiração para outros cidadãos que, ao me verem, puderam entender que também eles têm a capacidade de ocupar esses espaços de poder e decisão em nossa sociedade. Minha vivência é prova de que o caminho está aberto.
Cabe a nós, povo brasileiro, abrir essa porta e construir, aprimorar e, especialmente, defender incansavelmente a nossa democracia. A grandiosidade da democracia brasileira está em sua capacidade de evolução.
A democracia não se completa com um voto. Ela se fortalece todos os dias, com cada atitude. O Brasil precisa de nós – de todos nós – para ser, enfim, a maior democracia do planeta.
Referências
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
TSE – Tribunal Superior Eleitoral. Número de eleitores chega a 158,6 milhões em dezembro de 2024. Brasília, 4 fev. 2025. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2025/Fevereiro/numero-de-eleitores-chega-a-158-6-milhoes-em-dezembro-de-2024. Acesso em: 12 jul. 2025.
CNN Brasil. Eleições nos EUA: o que são os delegados e como funciona o voto indireto. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/eleicoes-nos-eua-o-que-sao-os-delegados-e-como-funciona-o-voto-indireto/. Acesso em: 12 jul. 2025.
*Angelo Silva de Oliveira é cidadão brasileiro, controlador interno licenciado da Prefeitura de Rondonópolis/MT, presidente de honra da Associação dos Auditores e Controladores Internos dos Municípios de Mato Grosso (AUDICOM-MT), mestre em Administração Pública (UFMS), especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT), graduado em Administração (UFMT) e auditor interno NBR ISO 9001:2015.
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