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Artigos Quarta-feira, 26 de Abril de 2017, 15:17 - A | A

Quarta-feira, 26 de Abril de 2017, 15h:17 - A | A

opinião

Mc Donald"s Judicial

                                                                                                                                                                                  por Eduardo Mahon *

O sistema decisório é um simulacro de voluntarismo. Para os estudiosos de filosofia da ciência, nenhuma novidade. Para outros teóricos que se empenham em compreender o fenômeno do poder, é chover no molhado. Mas para o meio jurídico.

O pensador italiano Franco Cordero, um dos vanguardistas do processo penal, juntamente com Luiggi Ferrajoli, dizia que um juiz que vai à cata de provas é um paranoico. Já o segundo citado, pai do garantismo, afirma que há uma espécie de termômetro, onde se mede maior ou menor incidência de inquisição ou de garantia nos sistemas de cada país. Tenho a lamentar que, no Brasil, diante da atual composição do Supremo Tribunal Federal, vivamos sob o jugo de uma jurisdição de exceção.

Quero deixar claro que não se trata de estado de exceção e sim jurisdição de exceção. Deparando-se com a pressão da mídia, da opinião pública formada por essa mesma demanda midiática, o magistrado rompe com o texto legal para fazer da hermenêutica uma lei não escrita. O modelo latino de processo desapareceu no Brasil no emaranhado de contemporizações com os casos concretos. Julgar conforme a cara do cliente, resume tudo.

Mais vale a interpretação do que a legislação, é mais importante o que o julgador acha do que está claramente lavrado em lei. Não se trata de uma revolta do julgador com a norma. Não é nada disso. Nem é tão intelectual assim. Ocorre que alguns juízes se autoproclamaram tutores da vontade legislativa, emendando o legislador, deslegitimando o processo político de elaboração da lei. É o que chamamos de ativismo judicial. De tanta liberdade e descolamento com os códigos, o juiz chega às interpretações mais insólitas, podendo decidir mesmo contra a lei.

Não estou de má vontade. Para ilustrar esse feudo hermenêutico, dou alguns exemplos. Já se sabe há 70 anos que a prisão preventiva tem quatro fundamentos: garantia da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Até os piores acadêmicos de Direito decoram essas quatro razões cautelares para passar na prova de processo penal.

Pois bem. Os juízes começaram a forjar outros fundamentos para prender cidadãos: gravidade do delito, repercussão social, periculosidade do agente, postura de não colaboração. Já se chegou a prender com o fundamento de que o preso é bem relacionado e, por conta de suas ótimas conexões sociais, poderia influir negativamente no curso do processo.

Essas e outras injunções são, na verdade, incursões ilícitas noutras áreas do conhecimento das quais os operadores do Direito não costumam ter nenhuma formação. Psicologizaram, sociologizaram, antropologizaram o processo penal.

O problema não é o disparate de um magistrado. A questão vira um escândalo quanto os tribunais superiores, formados por colegiados de juristas experimentados, homologam tais noções lombrosianas. Pior: quando cada julgador ignora a lei com fundamentos diferentes. É o que está ocorrendo. O processo penal é visto como no século dezenove – um instrumento para punir.

Os julgadores estão esquecendo das origens modernas do processo e dos matizes contemporâneos. Convém lembrar, portanto: o processo é uma forma de resistência contra o direito punitivo monopolizado pelo Estado. Contemporaneamente, é uma forma de teatralização e reconstrução mediata do fato investigado, assumindo-se honestamente que é impossível chegar à verdade. Justamente por isso, o interrogatório passou de meio de prova para meio de defesa, a resposta preliminar tornou-se a regra do procedimento ordinário, entre outras guinadas de uma tônica inquisitiva para acusatória.

O juiz trabalha muito. Mais do que deveria, inclusive. Tem pouco tempo para ler. Menos tempo ainda para refletir. O próprio magistrado é julgado por produtividade, como se fosse operário de uma fábrica de sentenças. Ganha promoção o melhor operário, o juiz que decidir mais, numa corrida egocêntrica para lançar os resultados em tabelas, gráficos e, claro, impressionar o tribunal-pai. Esse enorme equívoco está produzindo uma linha de produção defeituosa, da matéria-prima ao produto acabado.

Os pressupostos da decisão não estão claros e a própria decisão não se sustenta nem na lei, nem muito menos no tour psiquiátrico e sociológico que o magistrado se mete a fazer. Se o Poder Judiciário não sair dessa paranoia de tratar o jurisdicionado como cliente, não poderemos esperar mais do que um MacDonald judicial como sentença.

* Eduardo Mahon é advogado

Brasil unido pelo Rio Grande do Sul

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