por Andrea Maria Zattar*
Não podemos deixar o mês de maio terminar sem uma reflexão concisa e objetiva sobre as marcas históricas que ele carrega. Datas como o Dia do Trabalhador e a Abolição da Escravatura ainda exigem luta, consciência e ação para que possam, um dia, ser comemoradas com a justiça e a dignidade que merecem.
Maio celebra o trabalho e a liberdade, mas no Brasil essas conquistas permanecem parciais. A Lei Áurea, assinada em 1888, não veio acompanhada de políticas públicas. Sem moradia, emprego ou acesso à educação, os ex-escravizados foram deixados à própria sorte. A chamada liberdade não significou igualdade — e suas consequências ainda são sentidas hoje.
A crítica ao 13 de maio cresceu com o tempo. Para muitos movimentos sociais, a data celebra mais a assinatura de uma lei por uma princesa branca, enaltecendo sua generosidade, do que a resistência do povo negro. Como bem lembrou o samba-enredo da Mangueira em 2019: “Não veio do céu; nem das mãos de Isabel; a liberdade é um dragão no mar de Aracati.”
A frase homenageia o jangadeiro Francisco José do Nascimento, símbolo da luta abolicionista no Ceará — um dos muitos heróis negros apagados da história oficial.
No Brasil de hoje, o trabalho ainda guarda traços de escravidão. A criação do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, instituído pela Lei nº 12.064/2009, em memória dos fiscais assassinados em Unaí (MG), reforça que a luta continua. A chamada “Lista Suja” do trabalho escravo, embora não prevista em lei, tornou-se uma ferramenta essencial para expor empregadores que submetem trabalhadores a condições degradantes.
Mesmo com a CLT, milhares de brasileiros vivem em situações de exploração. A formalidade do contrato de trabalho não garante, por si só, dignidade. Jornadas exaustivas, baixos salários e ambientes insalubres continuam sendo realidade para muitos — especialmente para trabalhadores negros, que ocupam os postos mais precarizados e recebem salários mais baixos.
A desigualdade racial e econômica avança junto com a legalização da precarização. Hoje, formas disfarçadas de exploração são não só toleradas, mas amparadas pelo próprio Judiciário. A terceirização irrestrita — validada pelo STF — escancarou as portas para o trabalho desprotegido. A pejotização, que transforma o trabalhador em “empresa”, escapa de direitos básicos e esvazia a própria função da CLT.
Quando o Supremo Tribunal Federal invade a competência da Justiça do Trabalho para flexibilizar direitos em favor do capital, contribui para consolidar uma nova forma de escravidão moderna: legal, invisível e altamente lucrativa para os empregadores.
Apesar de avanços como as cotas raciais em universidades e concursos públicos, o Brasil ainda não promoveu uma reparação real. Educação é essencial, mas precisa vir acompanhada de permanência, qualidade e perspectivas concretas de transformação.
A representatividade também é desigual. Negros ainda são minoria em cargos de liderança, na política, na mídia e nos espaços de decisão. Mesmo com qualificação, continuam enfrentando racismo, discriminação e invisibilidade.
É urgente enfrentar o racismo e a exploração com firmeza. Isso exige leis eficazes, fiscalização ativa, políticas públicas comprometidas — e, acima de tudo, um pacto social pela justiça.
Maio, portanto, não deve se encerrar como um mês qualquer. Que seja lembrado como um chamado à ação. Para que trabalho não seja sinônimo de sofrimento. Para que liberdade signifique dignidade. Para que o Brasil avance, com coragem, rumo a um futuro onde todos tenham voz, vez e valor.
Andrea Maria Zattar, advogada trabalhista, membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica – ABMCJ; membro efetivo da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/MT.
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