A promessa de um cadastro sem filas para o programa habitacional Casa Cuiabana transformou-se em um cenário de caos e desespero. Apesar da garantia de que a seleção seria por sorteio, dezenas de famílias, muitas delas em situação de extrema vulnerabilidade, passaram noites em frente à Prefeitura de Cuiabá e à sede da Secretaria da Mulher na tentativa de assegurar uma vaga. As imagens de pessoas dormindo no chão, enfrentando frio e falta de estrutura, marcaram o início do processo nesta terça-feira (15 de julho).
Gestantes, mães de crianças com autismo, idosos e pessoas com deficiência estão entre os que suportaram o sereno e a precariedade. Muitos relataram dificuldades com o sistema de cadastro online, que apresentava falhas, levando-os a buscar o atendimento presencial por medo de serem excluídos do programa.
O esteve no local e conversou com moradores de diversos bairros de Cuiabá que madrugaram para garantir uma das 200 senhas distribuídas diariamente. As pessoas entrevistadas relataram situações de moradia precária e a esperança de conquistar a casa própria como forma de garantir dignidade e estabilidade familiar.
Alguns dos relatos são de famílias com filhos pequenos. As entrevistadas questionaram a falta de informações claras da Secretaria de Habitação e apontaram uma desorganização no processo de distribuição das senhas, mesmo após a divulgação de que as casas seriam sorteadas, e não concedidas por ordem de chegada.
Graziela Argentino, mãe de três filhos, sendo dois com deficiência — um deles em estado vegetativo —, mora de aluguel em uma quitinete no Parque Atalaia. Ela contou ao que chegou ao local na segunda-feira à noite, mas presenciou pessoas acampadas desde o domingo anterior. "Nós estamos aqui desde domingo no sereno, com criança gripada, mãe de cesariana com bebê de 12 dias no colo. Nem um copo de água ofereceram pra gente", desabafou.
Segundo as populares, as 200 senhas foram organizadas pelos próprios moradores. Graziela ainda denunciou que pessoas em atendimento preferencial estariam sendo atendidas fora da ordem combinada e que o cadastro foi feito com base em esforço coletivo, sem o apoio institucional adequado. "Meu filho é especial, vive só na cama. Essa casa não é luxo, é sobrevivência", concluiu.
Katiane Ferreira chegou às 15h dessa segunda-feira (14) para conseguir uma senha. Ela mora de favor em uma chácara, tem uma filha pequena e acompanha uma gestante e uma amiga com filha autista. Tentou usar o aplicativo, mas encontrou dificuldades de acesso. "Quero uma casa para dar um lar para meu filho e ter um lugar nosso. Isso muda tudo", relatou.
Solange Martins dos Santos chegou às 19h de segunda-feira e passou a noite no local para conseguir uma senha, afirmando que não sabia sobre o sorteio. Atualmente, ela mora com o marido e a sogra, após anos morando de aluguel. "Há muito tempo estou em busca da casinha. Então, não consegui. Hoje estou em busca de conseguir", afirmou.
Kézia Ferreira de Oliveira mora de favor com a avó, tem um filho e recebe Bolsa Família. Ela chegou por volta das 20h de segunda-feira e disse que ouviu falar do sorteio pelas pessoas no local, mas preferiu não arriscar: "Se não chora, não mama", brincou.
Analina Soares, idosa, mora com o filho no bairro CPA. Chegou às 5h da manhã e foi informada sobre o sorteio, mas mesmo assim decidiu ir cedo para garantir atendimento. "A gente de idade tem que ter uma casa. Não gosto de ficar morando com o meu filho", afirmou.
Carolayne, gestante de três meses, chegou ao local na segunda-feira por volta das 19h30. Ela relatou ter passado a noite no chão. A jovem mora com o namorado, paga aluguel e é aposentada. "A gente espera porque precisa, pagar aluguel é complicado", relatou.
O que diz a Prefeitura
Apesar da intensa movimentação, a Prefeitura de Cuiabá, em comunicado, informou que não havia necessidade de formação de filas e que o processo seria feito exclusivamente por sorteio entre os inscritos, com prioridade para grupos em situação de vulnerabilidade.
Em entrevista ao , a secretária de Habitação de Cuiabá, Michelle Dreyer, explicou os critérios de atendimento do cadastro habitacional. Segundo Michelle, 200 senhas serão distribuídas inicialmente por dia, mas o número pode aumentar conforme o tempo médio de atendimento. Toda a equipe da Secretaria está atuando no local para orientar a população e também auxiliar no cadastro via celular, evitando aglomerações.
"A gente está indo ali do lado explicando para a pessoa que ela consegue fazer pelo site, ajudando ela a fazer ali pelo seu próprio celular para que ela possa também ser liberada", disse a secretária.
Ela ressaltou que não há necessidade de acampar ou madrugar no local, pois o cadastro vai até 19 de setembro e todas as inscrições terão a mesma validade, sendo os beneficiários definidos por sorteio público e transparente.
A secretária informou que recebeu relatos de possíveis vendas ilegais de senhas e alertou que essa prática será denunciada. "Acabamos de avisar aqui que a gente vai denunciar qualquer pessoa que esteja vendendo senha. As senhas são distribuídas só a partir das 8 horas da manhã", afirmou.
Michelle também explicou que o cadastro presencial está sendo feito em dois pontos fixos para não dispersar a equipe, mas o link online está disponível para todos os interessados no site da prefeitura.
Sobre as prioridades no sorteio, ela detalhou que haverá cotas para mulheres chefes de família (15%), idosos (3%) e pessoas com deficiência (3%), mas o processo continua sendo aleatório dentro desses grupos: "Não é quem chegou primeiro que vai participar. A ordem não interfere."
Por fim, reforçou que quem não conseguir atendimento hoje pode voltar em outro momento ou se cadastrar de casa, e que o banco de dados servirá para todos os sorteios habitacionais dos próximos três anos.
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