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Artigos Sábado, 21 de Junho de 2025, 17:01 - A | A

Sábado, 21 de Junho de 2025, 17h:01 - A | A

Edina Araújo*

Quando a proteção falha, o feminicídio vira estatística

por Edina Araújo*

Foi sancionada, em 2023, a Lei nº 14.541, que determina o funcionamento ininterrupto — inclusive em domingos e feriados — das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) em todo o Brasil. Mais que um avanço legislativo, trata-se de um imperativo moral: garantir que mulheres em situação de violência tenham acesso a amparo e acolhimento a qualquer hora do dia ou da noite. Afinal, o medo, a dor e a ameaça à vida não têm hora para acontecer.

Mas, em Várzea Grande, a lei parece ser letra morta.

Recentemente, uma mulher que buscava proteção após sofrer violência doméstica deu de cara com as portas fechadas da Central de Ocorrências. Luzes apagadas, ausência de atendimento, silêncio institucional. Em vez de acolhimento, mais uma violência: a da omissão do Estado. A vítima, já fragilizada, foi obrigada a procurar outra unidade policial durante a madrugada, colocando ainda mais sua segurança em risco.

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O mais grave, no entanto, veio depois. A Polícia Civil, em vez de apurar os fatos e garantir que casos como esse não se repitam, emitiu uma nota oficial desmentindo a mulher. A versão institucional tenta convencer a sociedade de que tudo está funcionando perfeitamente — como se fosse aceitável insinuar que uma vítima de violência teria inventado a própria angústia. A pergunta que não quer calar: por que uma mulher em sofrimento mentiria?

O que mais choca é que essa estrutura falha está sob o comando de uma mulher — a delegada-geral da Polícia Civil de Mato Grosso. O mínimo que se esperava era empatia e compromisso com a verdade dos fatos. Ao contrário, o que se vê é o reforço da cultura de desconfiança em relação à palavra da vítima, desacreditada publicamente por quem deveria protegê-la.

“Diante das informações repassadas por este veículo de comunicação, foi verificado junto à Delegacia Regional de Várzea Grande e informado que o atendimento durante as madrugadas na Central de Ocorrências de Várzea Grande tem ocorrido dentro da normalidade, sem interrupção do serviço prestado ao público, sendo inclusive confeccionados vários boletins de ocorrência. A Polícia Civil informa que o funcionamento das Centrais de Ocorrências de Cuiabá e de Várzea Grande ocorre 24 horas e em escala de plantão para atendimento ininterrupto ao cidadão que necessita fazer o registro de boletim de ocorrência.”

Esta é a nota na íntegra assessoria da Polícia Judiciária Civil sobre o relato da vítima. Em outras palavras, a mensagem transmitida é clara: a vítima não está falando a verdade.

A situação é ainda mais crítica ao se observar que uma assistente social lotada na Central de Ocorrências está afastada por licença médica há quase um ano, em decorrência, segundo fontes, de assédio moral e perseguição interna. Mesmo em licença, a profissional foi transferida para outra unidade, como se fosse apenas uma peça administrativa a ser realocada. Não há profissionais de atendimento especializado em nenhuma das unidades de plantão em Várzea Grande. Isso fere frontalmente o que determina a Lei nº 14.541/23.

É preciso dizer com todas as letras: o atendimento especializado 24h à mulher vítima de violência não existe, na prática, em Várzea Grande.

Fica aqui um alerta às autoridades, parlamentares, lideranças e representantes do governo estadual: olhem com seriedade para a realidade das mulheres de Mato Grosso. Não basta discursar nas redes sociais após uma tragédia, pedindo justiça e punições exemplares, se o próprio Estado falha em proteger antes que o pior aconteça.

A causa da mulher não pode ser usada como palanque político. Não pode ser explorada para arrecadar cliques, curtidas ou votos. É preciso fiscalização, estrutura, equipe, compromisso e ação.

Enquanto o poder público não assumir, de fato, a responsabilidade de proteger as mulheres — garantindo estrutura adequada, equipes qualificadas e o funcionamento efetivo das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), conforme determina a legislação vigente —, o Estado de Mato Grosso, lamentavelmente, continuará a se consolidar como líder em feminicídios no país.

Em 2024, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que o Estado registrou 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, apresentando a maior taxa de feminicídios do Brasil.

Nenhuma nota oficial, coletiva de imprensa ou discurso inflamado será capaz de trazer essas vidas de volta.

O tempo de agir é agora. Por respeito, por dignidade e por sobrevivência.

Porque a porta da delegacia precisa estar aberta — literal e simbolicamente — para todas as mulheres, todos os dias, a qualquer hora.
Afinal, a violência contra a mulher não tem dia, hora nem lugar marcados para acontecer.

*Edina Araújo é jornalista e diretora do VGNOTICIAS e FATOS DE BRASÍLIA

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