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Artigos Sexta-feira, 23 de Maio de 2025, 15:00 - A | A

Sexta-feira, 23 de Maio de 2025, 15h:00 - A | A

Túlio César Teixeira Ferreira*

Os mercadores da educação e as intenções da escola cívico-militar

por Túlio César Teixeira Ferreira*

Minha experiência de seis anos na educação de Mato Grosso, sendo 4 anos em sala como professor, 1 ano na coordenação pedagógica, 9 meses na Secretaria de Educação (SEDUC) no Centro Político Administrativo (CPA) e 3 meses na Diretoria Regional de Educação de Cuiabá (DRE/Cuiabá) me fez pensar alguns pontos a serem considerados, afinal, o que nos restou quando alijados da decisão, são as palavras.

Enquanto estive no chão da escola sempre tive consciência da obviedade, mas as obviedades escondem os processos pelas quais se tornaram óbvias e a ocultação dos processos da obviedade precisa ser desvelada. Mais luz! Se trata, então, do problema: como funciona a máquina estatal burocrática e os agentes – sejam públicos e privados – que atuam na área da educação.
O senso comum, que não deixa de ser fato, é que a escola é uma instituição falida e abandonada pelo Estado. Além do abandono, o professor tem que lidar diariamente quase com a totalidade dos problemas da sociedade que reverberam no interior da escola: criminalidade, desestruturação familiar, vulnerabilidade, desigualdade social, etc. Em primeiro plano, na realidade do espaço escolar, podemos dizer que tais mazelas são os reais problemas da educação. Mas, somados ao abandono do Estado em relação à escola, os desdobramentos próprios da sociabilidade capitalista aparecerem como os principais inimigos da educação.
Com ressalvas a Louis Althusser, mas também lhe atribuindo créditos, é o primeiro a identificar a escola enquanto principal aparelho ideológico de Estado, ou seja, são as estruturas organizativas que asseguram a reprodução das relações de produção. É a submissão onde as condições são reproduzidas primeiramente na materialidade.
Vamos a alguns fatos que contribuem significativamente para entender a escola enquanto meio pelo qual se consolida os interesses do Estado. A superlotação das salas de aulas em Mato Grosso – aproximadamente 40 alunos – significa que mais alunos em menos turmas são menos escolas. Qual o resultado prático? Menos professores e “custos” reduzidos – afinal a palavra “investimento” para referir-se à educação só aparece em momentos eleitorais. O Novo Ensino Médio diminui carga horária de vários componentes curriculares e incute, novamente, em menos professores e custos reduzidos. Sem considerar o escamoteamento estratégico das ciências humanas. Essa realidade dada em Mato Grosso e os acontecimentos descritos anteriormente na educação estadual são basilares para compreendermos o que vem a seguir.
Em 2024 a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) aprovou, com o regozijo do governador Mauro Mendes, a lei 12.388/2024 que institui o programa das escolas cívico- militares. Há múltiplas ressalvas no processo da aprovação da lei, mas atentemos à sua efetiva execução. Mato Grosso prevê 100 escolas cívico-militares até o final de 2025. O intento é impor o modelo e alcançar 20% das escolas públicas estaduais. Não à toa as DREs tem viajado o estado para apresentar à comunidade a “excelência” das escolas cívico-militares. Mas qual a consequência desse modelo? Existem contradições ou é simplesmente para melhorar a qualidade da educação? Há fundamentalmente que se expor os interesses por trás.

O modelo da escola cívico-militar prevê no Art.3, I, que a direção escolar poderá ser ocupada por militar com gratificação adicional de R$7.700,56 e o Parágrafo Único do Art.9 estabelece que o pagamento será feito pela SEDUC. Ou seja, além de receberem seus salários de militares, o adicional virá de recursos da educação, o que está sendo julgado pelo STF pela inconstitucionalidade da lei. A SEDUC paga militares para ter salários maiores do que os dos próprios professores para que esses sigam ordens daqueles. Se um diretor militar recebe R$7.700,56, em 100 escolas serão R$770.056,00 por mês e R$9.240.672,00 por ano. O montante exposto é somente para a direção, sem somar “gestor cívico-militar” e “gestor educacional-militar” que deverá ser obrigatoriamente militar e ter em cada unidade escolar recebendo cada um R$5.534,78, somados anualmente custo de R$13.283.472. Para quê?

A escola cívico-militar ensina obediência, ordem, comando e hierarquia. Não se discute com a ordem. O comando condiciona a liberdade criativa. Não surge liderança com obediência à hierarquia. É o processo de dominação das ideais, imposição de comportamentos que, cada vez mais acomodam os estudantes – futuros adultos e trabalhadores – à acriticamente, ostracismo à contestação. É moldar as ações para aceitar

as condições que lhe serão impostas, um Aparelho Ideológico de Estado. É comum fatos1 de assédios, perseguições e agressões nas escolas cívico-militares.

Os professores e técnicos são vedados de participarem de decidir sobre o processo de escolha, se querem ou não aderirem ao modelo das escolas cívico-militares, conforme Art.8, II.a. Isso significa usurpar dos servidores que atuam diariamente e trabalham na escola de decidir sobre ela. Somente pais e alunos podem votar e, mesmo a comunidade votando contra, a SEDUC/MT utiliza de manobras e convoca novas audiências e votações, alegando que o placar desfavorável ao seu interesse ideológico “não havia respeitado o trâmite legal”. Um exemplo é a escola estadual Adalgisa de Barros, no município de Várzea Grande. Derrotada, mesmo assim a SEDUC buscou a militarização. É a expropriação de decidir sobre a própria vida, roubar a capacidade de pensar no próprio futuro. Em votação oficial ao final de fevereiro de 2025, a escola estadual Fernando Leite, em Várzea Grande, também recusou o programa cívico-militar. Será que a vontade legitimada em processo eleitoral da comunidade escolar será respeitada pelo governador?

A criação das Diretorias Regionais de Educação (DRE) pelo governador de Mato Grosso e a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) tem um horizonte claro, bem definido. A política que instaura as DREs não teve, nitidamente, a intenção de descentralizar as atividades de maneira geral, favorecendo a fluidez dos processos e autonomia dos órgãos descentralizados e da plena efetividade da Lei da Gestão Democrática do Ensino Público Estadual (7.040/98).

A centralidade das decisões permanece na SEDUC. Tal centralidade é pautada na heteronomia e não na parceria, pois assume a função de delegar ordens para o cumprimento das ações. É, obviamente, o intento (e que estão conseguindo com pleno êxito) criar a separação “educação e política”. Me parece cada vez mais distante a educação enquanto locus das práticas da SEDUC, pois se apresenta com uma aparência

1 https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2023/01/25/comandante-de-batalhao-da-pm-xinga- professora-que-interrompeu-palestra-sobre-militarizacao-de-escola-em-mt-feia-pra-c.ghtml. Acesso em: 06/03/2025.
https://cnte.org.br/noticias/professora-e-retirada-a-forca-de-sua-escola-por-brigada-militar-e- escandaliza-o-b769. Acesso em: 06/03/2025. https://www.brasildefato.com.br/2024/03/16/assedio-moral-em-escola-civico-militar-e-reflexo-do- neofascismo-na-educacao-afirma-pesquisador/. Acesso em: 06/03/2025.

caricata, teatral em que o fundamento “educação” é apropriado, cooptado como premissa nas ações de espoliar os recursos em prol dos lobbys. Nessa dicotomia intencional, a SEDUC abdica em partes de lidar diretamente com educação, atribuindo às DREs tal função pois assume protagonismo enquanto agente Público Privado – afinal o que são as reuniões com Banco Mundial, Instituto Lehman, Profissão Docente, Instituto Península, Instituto Natura, ICE, Google, Nova Escola, FGV, Pearson, Vivo Telefônica, entre tantas outras que frequentam diariamente os gabinetes na SEDUC? São eles que ditam como devem ser a educação no estado de Mato Grosso. Ora, nada melhor para assegurar os interesses capitalistas com o silencioamento à crítica política proporcionado pelas escolas de modelo cívico-militar.

Na contemporaneidade, a SEDUC enquanto agente promovedor ávido por Parcerias Público-Privadas faz nutrir os oligopólios dos ramos educacionais às custas do adoecimento dos seus servidores: aumento da quantidade de turmas a serem atribuídas, obrigação de formações (que tem se tornado banalizadas e ojerizadas pelos professores) vendidas por tais oligopólios, seletivo sem transparência para coordenadores, diretores e secretários ao escolher aqueles que implementam as políticas da SEDUC, aniquilamento da Lei 7.040, sem aumento do poder de compra dos servidores da educação (Lei 510/2023), etc. Caímos num desespero oculto, num delírio chamado trabalho e que, poucos tem coragem de dizer, restando cochichos, lamentos entre os colegas da condição que guina, a passos largos, do degradante ao insuportável.

A maquiagem dos índices de qualidade educacionais2 em Mato Grosso é suporte como premissa que anuncia o sucesso dos estudantes a partir de políticas públicas promovidas pela SEDUC da formação continuada de professores em parcerias com os oligopólios educacionais.
Essa narrativa é engrenagem de todo o aparato que sustenta a continuidade e alargamento dos espaços de decisões dessas empresas na educação pública. É extremamente perigoso, pois refere-se não somente à inserção – que já ocorreu – mas o enraizamento de uma cultura que visa amparar iniciativas educacionais pautadas indistintamente na ação de agentes privados. Ou seja, afirma que não é possível fazer educação pública sem a integração dos

2 Ler a reportagem “Dados do INEP escancaram o fracasso da gestão Mauro Mendes”: Disponível em: https://issoenoticia.com.br/dados-do-inep-escancaram-o-fracasso-da-gestao-mauro-mendes/. Acessado em 15/04/2025.

oligopólios. Essa constatação caminha de mãos dadas com a pressuposta isenção dos interesses privados na educação pública, sendo apenas “engajamento” do grande empresariado preocupados com o “futuro da nação”. Nada mais clichê. Os mercadores da educação não irão cessar o almejo infindável dos contratos com a SEDUC enquanto não houver resistência tanto prática quanto teórica às vontades das empresas educacionais e, as escolas militares, estão prontas para assegurar essa continuidade.

Túlio César Teixeira Ferreira

Professor, geógrafo e ex-servidor da SEDUC/MT

Brasil unido pelo Rio Grande do Sul

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