O delegado Rogério Ferreira, titular da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor (Decon), revelou, em entrevista coletiva à imprensa nesta quarta-feira (28.05), que as investigações sobre fraudes envolvendo empréstimos consignados de servidores públicos indicam, preliminarmente, que não há ilegalidade formal nos contratos assinados, mas sim uma grave falta de informação e indução ao erro.
“O contrato, juridicamente, está regular. O problema está na falta de informação ao consumidor e na indução deste ao erro, mediante afirmações falsas”, explicou o delegado.
Segundo Ferreira, servidores públicos em situação de vulnerabilidade foram aliciados por ofertas enganosas de renegociação ou portabilidade de empréstimos, com promessas de redução de juros e parcelas. No entanto, na prática, houve contratações de novos empréstimos, muitas vezes sem o pleno conhecimento ou autorização expressa do servidor.
“Essas empresas descobriram que, com os dados pessoais dos servidores, podiam realizar uma série de negociações em nome deles”, afirmou. A prática, segundo ele, comprometeu significativamente a renda dos servidores, com novos contratos estendendo-se por até 132 meses — mais de 10 anos de pagamentos.
O delegado destacou, ainda, que há casos em que empresas, após obterem os dados, alteraram a senha de acesso dos servidores ao portal do consignado, impedindo-os de acompanhar ou bloquear as operações realizadas em seus nomes.
Estruturadas e coordenadas
O delegado Rogério Ferreira classificou as ações como estruturadas e coordenadas por um grupo empresarial, cujos sócios possuem mais de 30 empresas atuantes no setor de crédito.
“As investigações demonstram que não se trata de uma única empresa. Os sócios desse grupo empresarial possuem diversas empresas, sendo que um deles é responsável por mais de 30 delas, muitas vinculadas à área de crédito. Trata-se de uma estrutura empresarial que atua de forma coordenada para facilitar a prática dos atos investigados. Tudo isso está sendo apurado”, revelou o delegado.
As investigações também indicam que, embora formalmente legais, os contratos ocultam fraude na oferta, configurando crime contra as relações de consumo e podendo caracterizar, ainda, associação criminosa e, eventualmente, lavagem de dinheiro.
SEPLAG e a formalização dos contratos
Questionado sobre o papel da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MT), o delegado explicou que a pasta atua apenas na formalização dos contratos devidamente assinados pelos servidores. Segundo ele, até o momento, não há indícios de participação de servidores públicos no esquema.
“Nós identificamos o problema, trata-se de fraude na oferta. O servidor, em situação de vulnerabilidade e necessitando de recursos, recebe uma proposta tentadora, com promessa de juros e parcelas menores, substituição ou portabilidade de empréstimos preexistentes. Acreditando na vantagem, fornece seus dados”, pontuou.
Ele também ressaltou que o portal do consignado, onde as operações são registradas, não é gerido diretamente por servidores do Governo do Estado, mas sim por empresa contratada.
Empresas envolvidas e dificuldade nas denúncias
A Capital Consig Sociedade de Crédito Direto S.A., apontada como a principal empresa investigada, tem sede em São Paulo. No entanto, há outras atuando de forma semelhante. Apesar da gravidade do problema, foram registrados, até o momento, no máximo cinco boletins de ocorrência.
“É importante destacar que, até o momento, o número de boletins de ocorrência é muito pequeno — não chega a dez. Acreditamos que apenas quatro ou cinco foram registrados. Não houve, até agora, formalização de denúncia por parte de nenhum órgão representativo dos servidores públicos na Polícia Civil, pelo menos na Delegacia do Consumidor”, relatou Ferreira.
Os documentos mais robustos chegaram à Decon por meio de relatórios elaborados pela Controladoria-Geral do Estado (CGE), pela própria Seplag-MT e pelo Procon Estadual, totalizando mais de três mil páginas.
Tipificação criminal
De acordo com o delegado, além de crime contra as relações de consumo, o caso pode configurar estelionato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e, eventualmente, crimes contra a fé pública, conforme o avanço das investigações.
O delegado também comentou denúncias de servidores com até 90% da renda comprometida, superando os limites legais de consignação. Explicou que, além dos percentuais legais permitidos para consignados e cartões de crédito, existem outros descontos obrigatórios — como imposto de renda e previdência — que agravam a situação financeira dos servidores.
Próximos passos
As investigações continuam em andamento, com o aprofundamento das diligências para identificar todas as empresas e pessoas envolvidas, bem como o número real de vítimas.
“Nós estamos trabalhando com todas as possibilidades. Tudo será investigado pela Polícia Civil — nada será deixado de lado”, concluiu o delegado Rogério Ferreira.
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