Por Jean W. Wahlbrink*
Com a digitalização da vida cotidiana, nossos rastros online—fotos, mensagens, redes sociais e até moedas virtuais—permanecem mesmo após nossa morte. Mas quem deve controlar esses "bens digitais"? Este artigo, trata dos dilemas jurídicos por trás desse tema, ainda sem regulamentação clara no Brasil.
O Que São Bens Digitais?
Classificados em três categorias, os bens digitais desafiam o Direito tradicional:
1. Patrimoniais: Criptomoedas, NFTs, milhas aéreas—têm valor econômico e são facilmente transmitidos aos herdeiros.
2. Existenciais: E-mails, mensagens privadas, fotos íntimas—refletem a personalidade do falecido e geram debates sobre privacidade.
3. Híbridos: Canais do YouTube, blogs—combinam valor financeiro e identidade pessoal.
O Conflito: Herança vs. Privacidade
O cerne da discussão está na colisão entre dois direitos fundamentais:
- Direito à herança (art. 5º da CF/88): Herdeiros reivindicam acesso universal aos bens digitais.
- Direitos da personalidade (art. 11 do Código Civil): Intransmissíveis e irrenunciáveis, protegem a intimidade mesmo após a morte.
Três correntes doutrinárias se destacam:
1. Transmissibilidade total: Todos os bens digitais seriam herdáveis.
2. Apenas bens monetizáveis: Exclui conteúdo pessoal (como mensagens no WhatsApp).
3. Intransmissibilidade total: Defendida por plataformas digitais, que alegam contratos personalíssimos.
Ressurreição Digital: A Polêmica da "Vida Artificial"
Tecnologias como deepfakes permitem recriar digitalmente falecidos—como ocorreu com a cantora Elis Regina em uma campanha publicitária. O debate se acirra:
- Herdeiros podem autorizar o uso da imagem do falecido?
- Corrente majoritária: A personalidade se extingue com a morte; herdeiros só protegem a memória.
- STJ: Herdeiros podem processar por danos morais (Súmula 642), mas não "ressuscitar" o falecido.
Futuro: Projetos de Lei e Reforma do Código Civil
Dois projetos em tramitação no Congresso ilustram a divergência:
- PL 3592/2023: Permite que herdeiros gerenciem a imagem póstuma.
- PL 3614/2023: Só o falecido, em testamento, poderia autorizar sua "ressurreição digital".
Enquanto isso, uma comissão liderada pelo STJ prepara a reforma do Código Civil, incluindo um capítulo sobre Direito Digital — um passo crucial para equilibrar inovação e proteção da personalidade.
Conclusão
A herança digital expõe lacunas jurídicas em um mundo onde a identidade persiste online. Se, por um lado, tecnologias como IA desafiam noções tradicionais de morte e privacidade, por outro, a regulamentação precisa garantir que os direitos da personalidade não sejam sufocados pelos interesses econômicos ou pela vontade dos herdeiros.
O desafio é claro: como legar nossa vida digital sem violar quem fomos em vida?
*JEAN W. WAHLBRINK é advogado em Cuiabá-MT, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela e ESMATRA/UNIVAG, em Direito Civil Contemporâneo pela ESA/UFMT e integrante da banca de advogados Furlan, Pires e Wahlbrink Advogados Associados
Para saber mais: Acompanhe a tramitação dos PLs 3592/2023 e 3614/2023 no Congresso Nacional.
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