Por Angelo Silva de Oliveira*
O Brasil vive hoje um daqueles absurdos que saltam aos olhos, à razão e à consciência. Mesmo sendo um dos maiores produtores de suco de laranja do mundo, corremos o risco de ver toneladas da fruta apodrecerem nos pomares — não por falta de tecnologia ou capacidade de colheita, mas por conta das tarifas impostas pelos Estados Unidos.
Enquanto isso, milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar todos os dias — inclusive crianças em escolas públicas, pacientes em hospitais e famílias inteiras nas periferias e áreas rurais. Isso não é apenas uma contradição. É uma ferida aberta na dignidade nacional.
A crise começou quando o governo norte-americano anunciou um aumento de 50% nas tarifas de importação do suco de laranja brasileiro. O resultado? Perda de competitividade, desvalorização do produto e prejuízos tão grandes que alguns produtores cogitam deixar as laranjas no pé. Há quem afirme que, hoje, colher a fruta custa mais do que vendê-la. No entanto, considerando o potencial do mercado interno e as políticas públicas de aquisição já existentes, essa lógica precisa ser reavaliada com mais rigor.
O mercado norte-americano, de forma abrupta, virou as costas — e, com ele, a subsistência de milhares de famílias rurais está ameaçada. Esse cenário nos leva a uma pergunta inevitável: como aceitar o desperdício de alimento de qualidade em um país onde tanta gente ainda passa necessidade?
A SOLUÇÃO ESTÁ NA FRENTE DOS NOSSOS OLHOS
O que está se perdendo não é só fruta. É emprego, é renda, é saúde e é esperança. Esta crise pode se transformar numa oportunidade de ouro para aproximar o campo das necessidades reais do povo brasileiro.
Por que não utilizar esse excedente de laranjas — que não será exportado — para abastecer escolas, creches, hospitais, abrigos e programas sociais com suco natural ou até mesmo com a fruta in natura?
É possível substituir refrigerantes, sucos artificiais e bebidas ultraprocessadas por um alimento saudável, fresco e nosso. Em vez de gerar doenças, gerar saúde. Em vez de gastar com tratamento, investir em prevenção. Em vez de submeter-se às oscilações do mercado externo, valorizar nossa produção interna e nossa gente. Isso pode ser viabilizado por meio do fortalecimento das cooperativas agrícolas, do incentivo ao processamento local e da ampliação dos programas de compras públicas já existentes.
É VIÁVEL? SIM. É NECESSÁRIO? MAIS AINDA
A inclusão do suco de laranja natural nos programas de aquisição de alimentos, como os voltados à alimentação escolar e ao combate à fome, é altamente viável e necessária. Análises de dados de exportação e de preços de sucos industrializados em licitações públicas demonstram que, com o poder de compra do Estado e a escala desses programas, o suco de laranja natural pode ser uma alternativa mais econômica e, indiscutivelmente, mais saudável do que as opções artificiais.
Para embasar essa afirmação, é crucial observar a realidade da cadeia produtiva e os valores de mercado:
- Realidade do produtor e valor do suco no mercado internacional: Em 2022, o preço médio pago ao produtor rural pela caixa de laranja (40,8 kg) destinada à indústria ficou entre R$ 12,00 e R$ 15,00, com o custo de produção estimado entre R$ 14,00 e R$ 18,00, conforme levantamento da FIPE. Em contraste, o suco concentrado exportado pelo Brasil pode ultrapassar US$ 2,00 por litro no mercado internacional (equivalente a cerca de R$ 10,00 por litro, considerando o câmbio da época).
Cada caixa de laranja rende aproximadamente 18 litros de suco, o que representa um valor potencial de cerca de R$ 180,00 na ponta da cadeia, enquanto o produtor recebe pouco mais de R$ 13,00 pela matéria-prima. Isso demonstra uma grande margem de valor agregado ao longo da cadeia de produção que poderia ser melhor distribuída em programas de compra direta.
- Comparação com bebidas artificiais adquiridas pelo setor público: Embora os preços variem, é possível observar que bebidas adoçadas, artificiais ou reconstituídas, frequentemente adquiridas por órgãos públicos, apresentam custo por volume comparável — ou até superior — ao que poderia ser negociado, em larga escala, com produtores de suco natural. Quando se considera o valor nutricional agregado, o custo-benefício do suco de laranja natural torna-se ainda mais evidente, especialmente se adquirido diretamente de cooperativas ou associações da agricultura familiar.
O Brasil já possui programas robustos de aquisição de alimentos da agricultura familiar, compras institucionais e ações de combate à fome. Basta integrar a laranja nessa engrenagem — com prioridade emergencial — aproveitando a capacidade de produção nacional e beneficiando tanto os consumidores quanto os produtores.
NÃO FALTA SOLUÇÃO. FALTA DECISÃO
A verdade é que não faltam laranjas nem tecnologia. O que precisamos, agora, é de uma ação coordenada e corajosa dos nossos líderes. É preciso priorizar a vida e a nossa soberania alimentar acima de interesses de mercado. Essa não é uma escolha técnica, é uma decisão política urgente, que definirá o futuro da nossa saúde pública, da nossa economia e da dignidade do nosso povo. Um país que aceita ver sua produção apodrecer enquanto seu povo passa fome está doente — e precisa reagir.
HORA DE AGIR
Que esse tarifaço imposto pelos EUA seja o alerta que faltava. Mas que também nos desperte para aquilo que podemos (e devemos) fazer por nós mesmos.
Que as laranjas alimentem brasileiros, e não as moscas. Que essa crise se transforme num novo capítulo de inovação, soberania e justiça social — impulsionando legisladores, gestores e formuladores de políticas a colocarem essa proposta em prática com urgência. O Brasil merece uma solução que esteja à altura de sua capacidade e de sua gente.
Porque ninguém deveria passar fome em um país que deixa comida apodrecer no pé.
Referências
CNN Brasil. Produtores consideram deixar laranja apodrecer no pé por causa de tarifas. 24 jul. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/produtores-consideram-deixar-laranja-apodrecer-no-pe-por-causa-de-tarifas/. Acesso em: 25 jul. 2025.
CNN Brasil. Tarifaço eleva custo do suco de laranja em US$ 100 milhões, diz CitrusBR. 24 jul. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/tarifaco-eleva-custo-do-suco-de-laranja-em-us-100-milhoes-diz-citrusbr/. Acesso em: 25 jul. 2025.
JORNAL PARAIPABA. A realidade do produtor de laranja no Brasil: lucro para a cadeia, prejuízo para o produtor. Disponível em: https://jornalparaipaba.com.br/a-realidade-do-produtor-de-laranja-no-brasil-lucro-para-a-cadeia-prejuizo-para-o-produtor/#:~:text=Dados%20e%20Cen%C3%A1rio%20Atual%20do%20Produtor%20de%20Laranja&text=Em%202022%2C%20a%20m%C3%A9dia%20ficou,de%20Pesquisas%20Econ%C3%B4micas%20(FIPE. Acesso em: 25 jul. 2025.
*Angelo Silva de Oliveira é cidadão brasileiro, mestre em Administração Pública (UFMS), especialista em Gestão Pública Municipal (UNEMAT) e em Organização Socioeconômica (UFMT), graduado em Administração (UFMT) e auditor interno NBR ISO 9001:2015.
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