por Natel Laudo da Silva*
Nem mesmo em cenário de crise sanitária, em que o estado de calamidade pública demanda pactuações mais rápidas e com procedimentos mais flexíveis, o acompanhamento e a fiscalização dos contratos administrativos e instrumentos similares deixarão de ser prioridade.
Na verdade, é nesse ambiente que o controle deve ser ainda mais rigoroso.
A fiscalização efetiva e eficaz dos contratos formalizados, por meio dos quais a Administração Pública implementa aquisições com o interesse maior de atender à coletividade, é instrumento de controle fundamental para uma melhor aplicação de recursos públicos.
Cabe lembrar que evoluímos do Estado Patrimonial, em que se buscava satisfazer as necessidades pessoais do líder político, para o atual Estado Democrático de Direito, em que se preza por atender às necessidades da comunidade, tendo como base a lei e a participação popular.
Fiscalizar contratos tem tudo a ver com princípios essenciais para a Administração, como a eficiência, a economicidade, a transparência, a legalidade e, principalmente, a supremacia do interesse público.
São argumentos suficientes para, em alto e bom som, afirmar que fiscalizar contratos não “saiu de moda” e continua sendo atividade primordial para controle, gerenciamento e obtenção de resultados qualitativos no âmbito da Administração Pública.
A Lei 14.133/2021, nova lei de licitações e contratos administrativos, vigente desde 1/4/2021, ratifica e reforça a importância da fiscalização de contratos, inclusive propondo novos regramentos, de forma a complementar os dizeres da Lei 8.666/93, que ainda permanecerá vigente até 1/4/2023, com alguns artigos revogados.
O administrador público que optar, neste momento, pela realização de licitações e contratações com base na nova lei de licitações, tem à disposição procedimentos, recursos e instrumentos fundamentais para um acompanhamento efetivo da execução dos contratos.
Um dos documentos cruciais nas aquisições públicas, o termo de referência, utilizado para a contratação de bens e serviços, deverá conter o modelo de gestão do contrato, descrevendo como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade.
Lembrando que gestão e fiscalização são atividades que se complementam, mas possuem caracteres próprios, e devem ser desempenhadas, de preferência, por agentes públicos diferentes. Enquanto o gestor de um contrato realiza atos mais gerenciais, o fiscal tem atuação de controle do contrato mais pontual e específica.
Quem atuar na fiscalização ou gestão de contratos não poderá disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente.
Na fase preparatória de uma licitação, a Administração deve fundamentar a necessidade da contratação por meio de estudo técnico preliminar, que deve evidenciar o problema a ser revolvido e a sua melhor solução e conter elementos como providências a serem adotadas para a capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual.
O edital do certame licitatório deverá conter regras claras relativas à fiscalização e à gestão do contrato. Uma delas é que o contratado não poderá contratar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de agente público que atue na fiscalização ou na gestão do contrato.
Além disso, o contrato formalizado deverá ter cláusula que estabeleça o modelo de gestão do contrato, observados os requisitos definidos em regulamento próprio do Poder, órgão ou entidade.
A nova lei de licitações normatiza a necessidade de a execução do contrato ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais, representantes da Administração especialmente designados, ou por substitutos.
Reafirma-se a possibilidade de contratação de terceiros para dar assistência e subsidiar com informações, principalmente em contratos com objetos mais complexos, o que não exime de responsabilidade o fiscal, nos limites das informações recebidas do terceiro contratado.
Em sua atuação, composta por atribuições como verificação de documentos, visitas ao local de execução, recebimento provisório de bens, serviços e obras, atesto em documentos fiscais, emissão de relatórios e notificação ao superior para a adoção de medidas convenientes, o fiscal do contrato deve ser auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual.
De forma a promover uma gestão por competências, a Administração deve designar, como fiscais, agentes públicos, de preferência do seu quadro permanente, que possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional, e que não tenham vínculo de parentesco com licitantes ou contratados habituais da Administração.
É tão importante o acompanhamento e fiscalização da execução de contratos que a nova lei estabeleceu que o desatendimento das determinações emitidas pelo fiscal pode representar motivo para extinção do contrato, com base em motivação anotada nos autos do respectivo processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
Importante ressaltar que a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, de forma inovadora, já evidenciava muitas das exigências trazidas pela nova lei.
Enfim, não há porque alegar que a necessária fiscalização efetiva e eficiente dos contratos saiu de cena, até porque a legislação avança no sentido de municiar o administrador público, os fiscais e gestores designados, o assessoramento jurídico, os controles interno, externo e social, para que juntos prezem, de fato, pela supremacia do interesse público.
Só não se fiscaliza de forma gerencial, profissional e qualitativa se não quiser, e, não quero crer que seja isso, se as pretensões forem outras, avessas ao tão caro Estado Democrático Social de Direito!
*Natel Laudo da Silva é auditor Público Externo do TCE/MT
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