por Valdiney de Arruda*
Vivemos hoje, especialmente no ambiente laboral, sob a influência de uma cultura que frequentemente enxerga os conflitos humanos sob a ótica simplista do bem contra o mal. Nesse contexto, atitudes conceituadas como assédio moral são, com razão, alvo de indignação e de uma crescente mobilização jurídica. Entretanto, observo que muitas vezes esse movimento se limita a uma resposta punitiva imediata, como se a judicialização pudesse, por si só, resolver o que na prática se manifesta como uma doença crônica e complexa nas relações humanas.
Esse texto nasce, portanto, não de uma pretensão de normatizar ou relativizar o assédio, mas de uma inquietação profunda: será que só punir resolve? Será que o caminho mais transformador e duradouro não passa também por fomentar, nas organizações e nos indivíduos, uma cultura mais autônoma, auto reflexiva e conscientemente orientada para o cuidado mútuo e para a prevenção?
Minha proposta é lançar luz sobre uma abordagem que complemente — e não substitua — as necessárias medidas jurídicas e institucionais: a promoção de uma cultura organizacional que privilegie a escuta, a empatia e a regulação emocional como ferramentas de prevenção, superando a lógica reativa e punitiva, tão custosa não apenas para o mundo do trabalho, mas também para o sistema de justiça e para todos os atores sociais envolvidos.
Na minha trajetória profissional, percebi que os conflitos no ambiente de trabalho raramente surgem dos fatos objetivos isolados, mas quase sempre da forma como esses fatos são percebidos, interpretados e, sobretudo, sentidos pelas pessoas envolvidas. Essa constatação, que inicialmente parecia uma percepção intuitiva, se consolidou conforme aprofundei meus estudos e pratiquei, na lida diária, ferramentas da Comunicação Não Violenta (CNV), da neurociência aplicada e do desenvolvimento humano.
Não escrevo aqui na condição de um especialista inatingível, mas como alguém que se permitiu reconhecer suas próprias limitações e decidiu aprimorar suas competências humanas para lidar melhor com os desafios complexos e, muitas vezes, invisíveis que atravessam as relações de trabalho. Essa é uma exigência que considero essencial, especialmente porque minha atuação profissional está permanentemente exposta à tessitura complexa e multifacetada das questões laborais, onde o humano e o jurídico se entrelaçam de forma indissociável.
O assédio moral, como fenômeno social, não pode mais ser tratado apenas como uma falha ética individual ou como uma infração passível de punição isolada. É, antes de tudo, um sintoma de culturas organizacionais que falharam em estabelecer práticas saudáveis de comunicação, gestão e relação interpessoal. A judicialização, embora necessária, é o tratamento de um sintoma; a transformação cultural é o que pode curar a raiz do problema.
Defendo, com base na minha vivência e estudos, que aprimorar a comunicação nas relações de trabalho passa por abandonar o impulso de buscar culpados e adotar uma postura investigativa sobre as necessidades humanas subjacentes às interações. Esse modelo pode ser implementado por meio de práticas organizacionais concretas, como feedback estruturado focado em necessidades, rodas de escuta ativa e treinamentos em Comunicação Não Violenta, promovendo uma integração entre aspectos emocionais e processuais da comunicação organizacional.
Ao incorporar essa metodologia, as organizações não apenas reduzem o clima de defensividade e desconfiança, mas também promovem uma cultura de segurança psicológica, conceito trabalhado por Amy Edmondson, no qual as pessoas se sentem encorajadas a expressar opiniões, assumir riscos e colaborar de maneira mais autêntica. Assim, a comunicação deixa de ser um campo de batalha, pautado por disputas e defesas, para se transformar em uma ponte que conecta pessoas, alinha propósitos e potencializa o desenvolvimento humano e organizacional.
Transformar a cultura organizacional não é um caminho fácil nem rápido, mas é um convite irrecusável para quem deseja ir além do mero cumprimento da legislação, construindo ambientes onde as pessoas desenvolvam maior senso de pertencimento, comprometimento e cuidado mútuo. Esses elementos, quando fortalecidos, geram um ambiente mais saudável, potencializam o rendimento organizacional e podem, sim, promover sentimentos mais positivos e duradouros entre as equipes. Trata-se de um processo contínuo e irreversível de melhoria das relações humanas no trabalho.
*Valdiney de Arruda é Auditor Fiscal do Trabalho, com mais de 30 anos de atuação na área
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