por Dayana Lannes e Andrea Maria Zattar*
Falar de cuidado é, antes de tudo, um ato político. É reconhecer um trabalho historicamente invisibilizado, desvalorizado e, quase sempre, naturalizado como uma obrigação feminina. A recente criação da Política Nacional de Cuidados, instituída pela Lei nº 15.069/2024, representa um marco importante nesse debate — mas também revela o quanto ainda precisamos avançar para garantir justiça social, igualdade de gênero e dignidade a quem cuida.
Historicamente, o cuidado sempre teve rosto, cor e classe: o das mulheres pobres, negras e periféricas, que sustentam com seu trabalho a vida de outras famílias, enquanto as suas seguem à margem das políticas públicas. O Estado se ausenta, o mercado explora e a sociedade ignora.
A nova política propõe ações para redistribuir o trabalho do cuidado entre o Estado, o mercado, as famílias e a comunidade. Ela reconhece que esse trabalho tem valor econômico, social e humano. Inclui medidas como a ampliação de creches, serviços de cuidado a pessoas com deficiência e idosos, bem como políticas de valorização das trabalhadoras do setor. No entanto, ainda é preciso garantir orçamento, fiscalização, formação profissional e acesso igualitário aos serviços, especialmente para as regiões mais vulneráveis.
A luta pelo direito ao cuidado caminha com a luta pelo direito ao tempo livre, à autonomia, à renda e à vida plena. Sem isso, a igualdade entre homens e mulheres continuará sendo apenas um ideal distante. É preciso romper com a lógica da exploração silenciosa, que transforma o amor em obrigação e o cuidado em fardo.
Cuidar é um ato político. E reconhecer isso é o primeiro passo para transformar a realidade de milhões de mulheres que carregam, sozinhas, o peso invisível da manutenção da vida. A Política Nacional de Cuidados é um avanço, mas só ganhará força se houver mobilização coletiva.
É da nossa conta. Da minha. Da sua. De toda a sociedade.
*Dayana Lannes, Juíza do Trabalho da 23ª Região.
*Andrea Maria Zattar, advogada, membro da Associação Brasileira Das Mulheres De Carreira Jurídica – ABMCJ
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