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Artigos Segunda-feira, 19 de Maio de 2025, 17:01 - A | A

Segunda-feira, 19 de Maio de 2025, 17h:01 - A | A

Janielly Carvalho Camargo*

Não somos Evas: Porque é tão perigoso ser mulher em Mato grosso?

Por Janielly Carvalho Camargo*

“13 – E disse o Senhor Deus à mulher: Por que fizeste isso? E disse a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. [...] 16 – E à mulher [Deus] disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.” (Gênesis 3:13,16)

Começo propondo uma reflexão: A culpa pela desgraça do mundo foi mesmo de Eva? Obviamente que não!

Historicamente, as mulheres têm sido vítimas de dominação, abuso, violência e perseguição por uma sociedade patriarcal, machista e controladora no mundo inteiro. Logo, toda estrutura social e identitária que vivemos na atualidade foi moldada nessa cultura de que a mulher é inferior e precisa ser castigada por ter trazido o pecado ao mundo.

No Brasil isso não é diferente. A lista de crimes cometidos contra a mulher é extensa. Entre os mais comuns temos a agressão verbal, ameaça, calúnia, feminicídio, lesão corporal, assédio moral, assédio sexual, estupro, constrangimento ilegal, difamação, discriminação, injúria, intolerância religiosa, perseguição, racismo, stalking, violência institucional, violência patrimonial, violência psicológica, violência política, entre outros.

O fato é que nem toda violência deixa marcas físicas, mas muitos desses crimes citados acima deixam danos psicológicos profundos, muitas vezes irreparáveis. Para voltar a ter uma vida “funcional”, essas mulheres precisam ser tratadas por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais.

Infelizmente, a maioria das vítimas desses crimes só foram atacadas pelo simples fato de serem mulheres ou por não terem seu direito de escolha respeitado pelos seus agressores, que, em geral, é alguém do seu núcleo familiar, sobretudo, companheiros, parentes próximos ou pessoas de um círculo social próximo.

Outra situação degradante muito comum em nossa sociedade é o machismo estrutural, que se encontra enraizado nas instituições e estruturas sociais, criando e perpetuando desigualdades entre homens e mulheres. É um sistema de opressão que se manifesta de forma invisível, mas com impactos significativos na vida das mulheres, que são discriminadas o tempo todo e não conseguem ocupar cargos e espaços de poder de forma igualitária aos homens, sendo tratadas com desrespeito e desprezo por sua condição de mulher.

É esse machismo estrutural que está enraizado em Mato Grosso. Terra de homens “conservadores”, que tratam suas mulheres como “objetos”, “mercadorias”, “propriedades”, “bonequinhas de luxo”, “belas recatadas e do lar”, “senhoras guardiãs de Deus, da família, da moral e bons costumes”. Terra onde as mulheres não têm voz política e só ocupam uma porcentagem ínfima (e ridícula) de cargos políticos e são violentadas cruelmente todos os dias.

Os dados estatísticos do Observatório da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso falam por si só e corroboram a minha tese de que é perigoso ser mulher em Mato Grosso, que é o estado brasileiro que mais mata mulheres, com recordes negativos crescentes, ano após ano.

Em 2024, 99 mulheres perderam a vida no estado. Foram registrados 1.536 casos de ameaça, 186 casos de perseguição/stalking, 93 casos de violência psicológica, 35 casos de importunação sexual, 24 casos de assédio sexual, 28 casos de estupro, 120 descumprimentos de medidas protetivas, 164 casos de calúnia, 228 casos de difamação. Foi observado um aumento significativo de 113,48% nas denúncias de violência contra a mulher pelo Ligue 180. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que MT registrou 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, o estado que mais matou mulheres no Brasil.

Trata-se de uma epidemia que está enraizada em todas as classes sociais, mulheres ricas ou pobres, novas ou velhas, todas vítimas de violência. Cito como exemplo diversos casos famosos que ocorreram recentemente com esposas/companheiras de políticos, esposas/companheiras de empresários, esposas/companheiras de barões do agro, esposas/companheiras/enteadas de servidores públicos, namorada de médico, fora as centenas de mulheres anônimas que foram vítimas recentes de violência em Mato Grosso.

Infelizmente, me incluo nessa triste lista, fui vítima de stalking/perseguição, assédio moral, violência doméstica e psicológica por anos, calúnia, difamação, intolerância religiosa e ameaça. Percebi uma triste realidade aqui em MT, quando uma mulher se destaca em torno de uma causa, ela corre riscos, sofre ataques reiterados na tentativa de ser descredibilizada, desqualificada e marginalizada na sua honra/conduta para ser transformada naquilo que ela não é e deixar de incomodar certos grupos.

Por isso, eu luto pelos meus direitos de mulher, mãe, esposa, líder religiosa e profissional. Busco minha liberdade de expressão, meus direitos de cidadã e meu direito de ir, vir e falar em todos os espaços. Não aceito ser tratada com misoginia e, por isso, venho esclarecendo outras mulheres, para que elas não aceitem ser tratadas com violência e misoginia.

Ainda gostaria de relatar que minha experiência com a rede de apoio e proteção às mulheres vítimas de violência de Mato Grosso não foi muito boa e ao precisar recorrer a esses “serviços” observei que eles precisam melhorar consideravelmente, pois se essa rede de proteção às mulheres realmente fosse efetiva e eficiente o estado não seria recordista de violência contra mulher no Brasil.

A morosidade e burocracia dos órgãos ainda são imensas, o relato da vítima deveria ser o suficiente para se iniciar o seu acolhimento e proteção imediatos, mas infelizmente isso não tem ocorrido aqui no estado. Conheço relatos de mulheres que levaram meses para receber uma medida protetiva e o afastamento dos seus agressores, sob a justificativa de se realizar estudo psicossocial. Enquanto isso, os agressores continuaram soltos cometendo novos crimes e perturbando suas vítimas.

Além disso, a recepção/atendimento dessas vítimas (já fragilizadas) nas delegacias, fóruns e defensoria pública são muito precários e às vezes, nada acolhedores, gerando ainda mais constrangimento nas vítimas, que acabam desistindo de dar andamento aos seus pedidos de socorro e justiça.

Por isso, conclamo todas as mulheres do estado a lutarem pelos seus direitos e que não aceitem ser tratadas com desrespeito e violência e que vocês compreendam que o limite de vossas vidas e escolhas são vocês que dão.

Se o parceiro te desrespeita, grita, vigia, humilha, manipula, trai, controla seu dinheiro, maltrata, chantageia, persegue, diga não a ele. Denuncie e procure seus direitos.

Da mesma forma, se um chefe, colega de trabalho, vizinho, parente, “amigo” invade seus limites/direitos e te desrespeita, ofende, maltrata, persegue, desqualifica, escanteia, humilha, coloca em desvio de função por mero capricho, não aceite. Diga não.

Denuncie imediatamente, porque amanhã poderá ser tarde e você já estará morta.

Precisamos nos unir e mudar essa cultura de violência contra mulher em Mato Grosso.

Porque não somos Eva.

Não somos culpadas pelo pecado do mundo.

Somos mulheres, temos sentimentos e merecemos respeito.

Janielly Carvalho Camargo, bióloga, psicanalista e estudante de jornalismo*

Brasil unido pelo Rio Grande do Sul

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