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Opinião Terça-feira, 03 de Fevereiro de 2015, 15:21 - A | A

Terça-feira, 03 de Fevereiro de 2015, 15h:21 - A | A

O dono da bola

O jornalismo que cobre o Judiciário se deixa seduzir muito facilmente pelas palavras do ministro Gilmar Mendes, critica professor de Direito da USP. “Poderíamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes midiático e passar a ler o Gilmar Mendes juiz”

Conrado Hübner Mendes *

 

O STF abriu nesta segunda-feira (2) o ano judiciário. O tribunal teve uma pauta conturbada em 2014 e a de 2015 não será diferente.

Na medida em que ganhou envergadura política na última década, muito se discutiu sobre o papel que o Supremo Tribunal Federal conquistou, seu volume oceânico de casos e a qualidade de suas decisões.

Um aspecto, porém, ainda pede maior cuidado crítico: o modo como alguns de seus ministros frequentam e manipulam, sem parcimônia, a mídia cotidiana. O ano de 2014 foi exemplar nessa superexposição pública e a conduta de um ministro, em particular, serve como bom ponto de partida para essa reflexão institucional.

Gilmar Mendes, como de costume, fez-se onipresente. O tiroteio retórico lhe encanta e dele participa com artilharia pesada. Seu vocabulário é recheado de clichês da hipérbole política. Jornalistas não mais o procuram por sua clarividência, mas, sim, por uma manchete.

Tanto faz se o assunto está para ser decidido pelo Supremo ou se nem chegou ao tribunal. Sente-se autorizado a mandar recados pela imprensa. Entende, pelo visto, que a Lei Orgânica da Magistratura a ele não se aplica. Princípios de circunspecção judicial, que buscam promover não só a imparcialidade mas também a imagem de imparcialidade, servem para os outros.

Por exemplo, quando provocado a opinar sobre a validade de uma constituinte para a reforma política, ponderou: “Não é razoável isso, ficar flertando com uma doutrina constitucional bolivariana”. E concluiu com ironia: “Felizmente não pediram que na Assembleia Constituinte se falasse espanhol”.

Instado a falar sobre o decreto de participação social do governo Dilma, voltou ao seu mais novo slogan de algibeira: “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia”.

Nesse último processo eleitoral, como ministro do Tribunal Superior Eleitoral, após decisão que rejeitou candidatura de José Roberto Arruda com base na Lei da Ficha Limpa, da qual é opositor contumaz, afirmou, em ataque ao colegiado: “Quem tem responsabilidade institucional, justifica. Não faz de conta que hoje estava votando assim e hoje eu estava votando assado. Isso é brincadeira de menino”. E completou: “Quem faz jurisprudência ad hoc é tribunal nazista”.

Gilmar Mendes luta com as armas que tem e não gosta de perder. Quando perde, solta o verbo, e o seu verbo é calculado para polemizar. Pouco importa que afete a integridade do tribunal e de seus próprios colegas. A dúvida, matéria-prima para um bom juiz, não o atormenta.

Como numa “brincadeira de menino”, quer ser sempre o dono da bola. Uma cultura constitucional governada por donos da bola, contudo, corrói o projeto da Constituição de 1988 e o delicado capital político do STF. Sobreviver a ministros assim é hoje um dos maiores desafios do tribunal.

O jornalismo que cobre o Judiciário se deixa seduzir muito fácil pelas palavras do ministro. Poderíamos deixar de ouvir o Gilmar Mendes midiático e passar a ler o Gilmar Mendes juiz. Seus votos proporcionam descobertas mais interessantes para o bom debate e a boa crítica. Ali estão as polêmicas que precisam ser captadas pelo radar público e pelo jornalismo diligente.

A política está na temperatura ideal para os “mancheteiros” de plantão, veremos quais serão as próximas de Gilmar Mendes. Ignoremos a superfície e conversemos sobre o que vale a pena conversar, pela dignidade do direito constitucional.

* Conrado Hübner Mendes é professor de Direito constitucional da Faculdade de Direito da USP.

** Artigo publicado originalmente na edição de 3 de fevereiro de 2015 da Folha de S.Paulo.

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