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Artigos Quarta-feira, 30 de Novembro de 2016, 10:24 - A | A

Quarta-feira, 30 de Novembro de 2016, 10h:24 - A | A

opinião

Elegia aos heróis

                                                                                                                                               por Amadeu Roberto Garrido *

Um arquétipo ampliado: o do herói, morto na batalha. Foram muitos na velha história; nos combates sangrentos, nas guerras insólitas, nos intermináveis e incompreensíveis desentendimentos entre os humanos. Estes vão ao extremo da morte. Os lobos não. O vencido na luta pela fêmea exibe a jugular para o último golpe, que não é desferido. O vencedor se sacode e vai. A espécie é preservada.

Os lobos não têm livre arbítrio e afastam a morte. Nossos guerreiros do imortal chapecoense também não o tiveram, porém não evitaram o último sofrimento. Num avião, nossa vontade é pulverizada. É administrada por outrem, como se fora um truste. Confiamos nele e na tecnologia do mostrengo que voa. A crise da vontade humana atinge seu ápice num voo. Mais do que num cárcere, onde sobram fiapos.

Os soldados da guerra hedonista contemporânea iriam conquistar a copa sul- americana. Provam-no a presença de Mário Sérgio Pontes de Paiva. Um valente cerebral, para muitos incontinenti. Um vidente do esporte mágico de que foi um exemplar. Quando técnico do Corinthians, mais três jogos o consagrariam campeão do Brasil. Disse-nos que não temia dois jogos imediatos, contra Flamengo e Fluminense. Temia o terceiro, frente ao Vitória da Bahia. Não deu outra. A conquista do Corinthians frustrou-se no Farol da Barra. Talvez tenha pressentido o "mysterium tremendum". Certamente pressentiu a vitória final dos jovens que acompanhava, seus amigos da eternidade.

Há os que creem e os que descreem do destino. Um script insculpido em chapa de ferro antes de nosso nascimento. As crianças são dispersivas, portanto suas inclinações antecedem seus primeiros passos e seu aprendizado. O consolo é que não se pode reclamar de Deus. Como reclamar de algo predeterminado? Para esses, sua morte, dias, hora, tempo, circunstância, sejam mais aceitáveis. Aos outros, tal não passa de elucubração mística, irreal. Um desvario. Tudo e todas as coisas somente dependem de nós. A morte carrega culpas.

O parco conhecimento de nós mesmos impede uma resposta. O fato é que o futebol, composto não somente de estrelas, mas de uma grande maioria de jovens sonhadores, é o esporte mais numinoso. É possível que por atavismo. Santo Agostinho reclamava dos meninos que, ao invés de orar, davam-se à pratica de meter o pé em bolas improvisadas. Esses não conquistariam os céus e a vida eterna, reservada apenas ao absolutamente dedicados ao Senhor, bafejados pela graça divina. O céu era seletivo àquele que, ao assim pensar, procurava, como ele, sublimar dos fundos do inconsciente um passado desgarrado de valores religiosos.

A magia do futebol vem da dificuldade do gol. Um jogo de grande diferença de gols torna-se insuportável de ver, a partir de certo momento. As renhidas tentativas, o abalo no travessão e os urros das arquibancadas lembram eventos mitológicos. O balanço das redes, acompanhado das vozes emitidas pelos locutores desde suas profundezas, compõe o fantástico. As renhidas competições, as finais, como a que seria enfrentada pelos chapecoenses, é que fazem vibrar a alegria, a glória, a tristeza e a frustração, tanto dos atletas como dos assistentes. O genial projeto de 11 em posições determinadas permitiu as grandes vibrações do ansioso homem do século XXI. Como tudo, sofreu as deformações impostas pelo Rei Midas, porém não perdeu seu encanto, adorável por todo o orbe.

O pequeno, belo e afável, estado de Santa Catarina tem sofrido. Enchentes, desabrigados, cidades encantadoras como Blumenau e Joinville convertidas em mar de lama. A esplendorosa Ilha de Florianópolis não nos apresenta somente os "manezinhos da Ilha." Há Guga, também. O tradicional Figueirense desceu à série B, mas o jovem Havaí compensou. Já o Chapecoense não deixará nossas memórias.

Os sonhos de um time modesto que galgou duras escadas da América Latina - ah, nossa Latino-América, de Mercedes Sossa - rompeu-se ao sobressalto terrível com o atroo das montanhas que agasalham Medellin. Uma cidade chora. O país do futebol está consternado. O mundo não esquecerá, jamais, esse terrível gol contra.

Amadeu Roberto Garrido de Paula, é advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

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