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Opinião Segunda-feira, 24 de Março de 2014, 09:40 - A | A

Segunda-feira, 24 de Março de 2014, 09h:40 - A | A

Estelionato Legislativo

É de vital importância pôr às claras que a consequência de sua aprovação mais que previsível é esta: a impunidade!

Assessoria

por César Danilo Ribeiro de Novais*

Praticado o crime, o direito de punir do Estado torna-se concreto. A persecução penal estatal ocorre em duas fases, quais sejam: extrajudicial, em regra, pela via de inquérito policial no âmbito da Polícia Civil; e judicial, em sede de processo criminal na esfera do Poder Judiciário.

Em ambas as instâncias de apuração do crime, há reunião de elementos com a finalidade de demonstrar a materialidade, a autoria e a participação delitivas, com a reconstrução histórica do fato criminoso, para, assim, aplicar o direito.

Em corolário, o ordenamento jurídico não faz qualquer distinção do falso testemunho praticado na fase extrajudicial daquele havido na fase judicial. Ainda, a atenuante da confissão tem incidência mesmo que tenha ocorrida apenas na primeira fase da persecução criminal. Logo, não é difícil concluir que o Estado zela pela idoneidade da colheita da prova em todas as fases de apuração do delito.

Edmond Locard ensinou que “o tempo que passa é a verdade que foge”. Por isso, no que concerne à valoração das provas, avulta com destacada importância o “depoimento em bruto”, que é aquele colhido logo após o crime, no calor dos acontecimentos, em que as testemunhas demonstram o que de fato viram, ouviram e sentiram.

A experiência confirma que, com o passar do tempo, surgem, entre outras coisas, esquecimento, coação psicológica ou física, sugestão de terceiras pessoas, autossugestão, doença, temor ou morte, que podem anuviar a verdade fática.

Não por outra razão que é comum presenciar, quando da colheita da prova oral no âmbito do Poder Judiciário, a mudança de depoimento, que, paradoxalmente, na fase de investigação criminal, fora prestado com riqueza de detalhes e, por isso, dotado de grande carga de verossimilhança e credibilidade.

Daí a importância também dos elementos probatórios reunidos na primeira fase da persecução penal estatal para a busca da verdade real. É fora de dúvida que o convencimento acerca da culpa criminal depende da análise do conjunto de provas colhido em ambas as fases persecutórias.

Todavia, o Anteprojeto do Código de Processo Penal, já aprovado no Senado Federal e agora em trâmite na Câmara dos Deputados, consubstanciado no PL 8045/2010, dentre outras vedações, proíbe, no Tribunal do Júri, que as partes façam menção às provas colhidas na fase de investigação criminal.

É o que diz o artigo 391: “Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – Aos fundamentos das decisões de pronúncia ou das decisões posteriores que jugaram admissível a acusação e aos motivos determinantes do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo; III – aos depoimentos prestados na fase de investigação criminal, ressalvada a prova antecipada.

Essa proibição dá um xeque-mate na verdade. Pode fazer do círculo um quadrado. É flagrantemente inconstitucional.

Ora, qualquer um que lida no foro criminal sabe muito bem que, não raro, testemunhas escamoteiam em juízo a verdade dita na fase de investigação criminal.

No Tribunal do Júri, espaço em que impera a democracia no Poder Judiciário, é inadmissível que estabeleçam vedações legislativas ao direito de argumentar das partes e impeçam que o Conselho de Sentença tenha acesso à investigação criminal e ao conteúdo processual.

Esse artigo 391 do PL 8045/2010 protege os assassinos, amarra as mãos da verdade, aniquila o bom senso e sequestra a justiça.

Basta ler esse dispositivo para perceber imediatamente que ele agirá contra a razão, a lógica, o bom senso, a paz social e ao direito fundamental à vida, em detrimento da proteção da sociedade.

É de vital importância pôr às claras que a consequência de sua aprovação mais que previsível é esta: a impunidade!

Por outras palavras, é seguro dizer que diante de uma prova coesa e verossímil residente na investigação criminal, basta que as testemunhas se retratem em juízo, mudem de endereço para local incerto ou - numa visão pessimista, mas plenamente possível, frente à atuação de organizações criminosas - que haja suas execuções antes do depoimento judicial para que o assassino alcance, tranquilamente, a impunidade.

* César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça em Mato Grosso, presidente da Confraria do Júri (Associação dos Promotores do Júri) eeEditor do blogue Promotor de Justiça.

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