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Variedades Terça-feira, 12 de Julho de 2016, 11:00 - A | A

Terça-feira, 12 de Julho de 2016, 11h:00 - A | A

Entrevista

Brown: "Brasileiro é preconceituoso consigo mesmo"

Billboard

Carlinhos Brown tem várias faces. No início dos 1980, foi um dos criadores do axé music para, dez anos depois, formar a Timbalada, grupo que deixou seu nome conhecido no país. Hoje, seu nome está por trás de sucessos que vão de Caetano Veloso e Marisa Monte a Sepultura e DJs de renome internacional.

“Quando eu falava que era muito sampleado, nego ria, porque não se acreditava num brasileiro sendo sampleado internacionalmente”, conta Brown em entrevista à Billboard Brasil. “Hoje, eu sou um hit na música eletrônica”.

No começo do ano, o baiano lançou o disco Artefireaccua – Incinerando O Inferno”, seu 15º disco solo, em que fala de identidade brasileira, problemas atuais do mundo, como os refugiados, e, claro, amor.

Nesta semana, ele volta a São Paulo depois de 12 anos para o show “Antonio Carlos Brown, com direção de Paulo Borges, do São Paulo Fashion Week, para fazer um show que celebra não só o disco novo como seus 35 anos de carreira.

Conversamos com o músico sobre o novo trabalho, preconceito no Brasil, axé music, sua obra e o que o preocupa no mundo hoje. Leia a seguir:

O que significa “Artefireaccua”?

Artefireaccua é um neologismo de ar, terra, fogo e água, os quatro elementos da natureza. É um neologismo do que significa o Brasil, da minha forma de ver o Brasil. Tem uma coisa de italiano, latim quase, inglês, português… Essa conexão que a música tem com os elementos. Nós músicos procuramos na natureza a sonoridade para edificar com algo que seja palpável. A música unta os sentidos da natureza pra fazer possível e audível de compreensão.

 

Por que “Incinerando o Inferno”?

O mundo passa por uma fase infernal. Talvez uma atitude maior seja tocar fogo no inferno. [risos] Porque não é o céu que estamos buscando, estamos buscando uma Terra mais convicta, com um ser humano diante do outro em total respeito. Nenhum homem é superior ao outro, nenhuma ideia tem mais valores do que a outra. Talvez essa questão de incinerar o inferno seja para restituir os valores, que leve a vida na Terra mais longínqua.

 

Na faixa, que leva o subtítulo do disco, você fala de refugiados e outros problemas globais, mas, ao mesmo tempo, extremamente humanos.

Pelo fato de lidar diretamente com a questão de refugiados, especialmente na América Latina, na Colômbia, com a Unesco, isso já me faz um agente para buscar essa discussão. A música também tem esse papel. Nós, diante de situações divergentes no mundo, vamos buscar uma forma de nos identificar, dar opinião e tentar sanar um problema que muitas vezes não temos a capacidade. Mas vamos ali, conversamos, discutimos politicamente.

Você vê a música como um agente de mudança do mundo?

Sim. Ela muda tanto que o mundo vira as costas.

Como assim?

Fomos nós que começamos a dizer que o mundo estava em crise. Foi a música. A música começou a dizer que o mundo estava entrando em crise. Todo mundo começou a rir, dizendo que os artistas eram ricos e tava tudo certo. A gente transformou um dos melhores acontecimentos: a internet. Engraçado que na internet e no país todo mundo põe a culpa. Só que a culpa é nossa. A culpa é de quem usa a internet. Não do meio. Quando a gente diz “vamos começar a baixar música, streaming grátis”. Isso mexe com a economia mundial. Como é que, hoje, o Spotify vale bilhões? É porque eles pagam 10% de direitos autorais e ficam com 90%. Pra você conseguir o primeiro dólar, você tem que tocar “N” vezes em algo que é cobrado por R$ 1,99. O que nós estamos discutindo não é a ganância. Os artistas não perderam o prestígio, o artista virou um cartaz bonito, que a internet consegue exibir… Mas quem vai pagar seu jantar? Quem paga a conta da luz? Muita gente tá migrando para outras profissões. Não é seguro ser músico. Toda essa dicotomia minha geração vai ter que enfrentar. E enfrentar de cabeça erguida, reta.

Qual caminho nós deveríamos seguir no Brasil?

Eu não posso apenas compor um disco, colocar na internet e não me preocupar com o que está acontecendo. O que acontecerá com os novos? “É muito interessante eu colocar minha música na internet pra aparecer”. Vai ser interessante, é um fetiche ser conhecido:  ter X visualizações, você vai ficar ótimo. Mas, vem cá: e o técnico do som?  E o compositor, que nunca vai ter oportunidade, porque não canta, mas compõe bem? E o auxiliar, o músico? A música tem força coletiva e precisa ter caminhos para se auto sustentar. O Artefireacuanasce nesse momento, 20 anos após o Afagamabetizado [1996], onde nós já apontávamos nesse sentido. A crise bateu em todos os setores. Em que o direito individual, autoral, passa a não ser respeitado. A desvalorização do direito autoral é a dispersão do profissionalismo.

 

Artefireaccua trata disso?

Esse disco fala disso. Essa volta tá ligada à igualdade, a esse caminhar sozinho, que a individualidade tem proposto. A música sempre foi agregadora e o mundo tá numa fase separatista enorme. Nós precisamos de coesão. O árabe não é meu inimigo, o americano não é meu inimigo, o coreano não é meu inimigo… Há uma comunicação no mundo como se a humanidade fosse toda de inimigos. A música pode reconectar.

Nesse disco você fala “quem canta sua aldeia canta para o mundo”. Você fala da Bahia, do Candeal, voltado ao mundo.

Pelo fato de eu ser brasileiro, eu já sou internacional; pelo fato de mexer com a música brasileira, isso já me dá internacionalização. Porque é uma música de extrema curiosidade, que o mundo testa o tempo inteiro. A música brasileira é a matriz de muitas coisas que estão surgindo no mundo, inclusive a música eletrônica. Veja a house music, ele nasce com o desejo de ser samba. E começou a se modificar e isso dá a paixão de Avicii, Bob Sinclar e David Guetta pelo Brasil. Isso tem sido legal: não existe crise na criatividade, existe crise no negócio. Nos perdemos muito.

 

Mas a arrecadação de direitos autorais no Brasil funciona bem, não? Inclusive no Carnaval.

Eu posso dizer a você que não sei minha arrecadação no Carnaval, mas é sempre menor do que eu pago. Eu pago pelas minha músicas nos shows que eu faço. No carnaval da Bahia, eu pago uma cifra de R$ 400 mil.

 

Para tocar?

Pra tocar minhas músicas. Porque é uma lei que eu tenho que respeitar. O ECAD tá lá, ele faz os registros. Eu pago por mim e pago pela Timbalada. Num verão eu gasto isso. Mas minha arrecadação não é igual. Por exemplo, nesses últimos carnavais, os grandes fenômenos são Lamartine Babo, Braguinha… O axé music ocupou 30 anos desse repertório. Por sua vez, de cinco anos pra cá, parou de ser. Muita gente perguntou “será que essa música enjoou?”. Foi quando chega o sertanejo, fazendo uma rítmica muito parecida com o axé.

Como você vê essa mudança?

É que a missão do axé está sendo feita. A missão do axé, que começou na Bahia, começou em nós, era no sentido da reafricanização baiana. Nós não esperávamos reafricanizar o Brasil, e isso estamos fazendo. Quando eu vejo um cara do olho verde cantando muito – porque se tem uma coisa que o sertanejo tem são grandes cantores - com o timbau, instrumento que eu desenvolvi, tocando a levada da gente, como era no Acordes Verdes, misturando com samba de roda, é o processo de reafricanização que está dando certo. É axértanejo. Eu já disse isso antes. Eu vou lhe mostrar a queda do axé: Avenida Paulista lotada, o que tem? Trio elétrico. Olha lá no Rio de Janeiro: dois milhões de pessoas para ouvir Preta Gil, em um trio elétrico. E onde foi que todo mundo aprendeu a sacudir a massa? “Mão pra cima! Levanta o corpo!”. O axé nunca esteve mais forte. Vamos dizer que os atores baianos estão mais retirados do mercado. É que, hoje, o Brasil referencia muito a música externa. Porque nós brasileiros ainda não temos conhecimento da sofisticação da música do Brasil. Isso desprivilegia outros movimentos e tem sempre a bola da vez. Aí, ficam achando que a música é sazonalizada: “Esse nicho é de Minas, esse outro é carnavalesco”.

Há preconceito contra o axé?

Rapaz, o brasileiro é preconceituoso consigo mesmo. A gente nunca se preocupou com essa questão, com esse endeusamento da música internacional. Muita gente espera ver na minha figura o Will.i.am, não vai. Ou um produtor como o Dr. Dre, não vai. Nós somos diferentes do mundo.

Atitudes intolerantes, como a que você sofreu no Rock in Rio, entram nisso?

Aquilo não foi atitude intolerante, não, foi plástico. E foi provocado por mim [risos]. Foi intolerante porque justamente é leitura que é intolerante. Temos um problema enorme de conhecimento.

Em que sentido?

A gente fala o que quer. Eu aprendi a lidar com a comunicação porque seria difícil sobreviver. Naquele momento: “Epa, acabou a carreira do cara”. Já voltei para o Rock in Rio muitas vezes. Um dos melhores cachês que já ganhei na minha vida foi na Espanha. Eu sou um artista. Em alguns momentos, quando encontro adversidades, preciso usar além da música, preciso ser um ator. Naquele momento, eu não sabia que surgiria, mais tarde, o Slipknot, que ia utilizar os surdos que eu criei lá pra Timbalada como um dos elementos do rock. Ele se inspirou no Sepultura e no hit “Ratamahatta”, que escrevemos juntos. Mas eu nunca fui pro vídeo, até por que o clipe foi feito em animação. Então, o importante é como as coisas são construídas. Quando eu falava que era muito sampleado, nego ria, porque não se acreditava num brasileiro sendo sampleado internacionalmente. Hoje, eu sou um hit na música eletrônica. Ao lado de “Garota de Ipanema” e “Mas Que Nada”, é “Magalenha”, que compus com o mestre Sérgio Mendes. A maioria dos DJs da história já usou essa música. O “nhe” e o “ão” pro estrangeiro são incríveis, eles não falam “ão”.

Quais são as suas principais influências musicais?

Candomblé. É a escola de todo mundo. Hoje, o que chamam de funk carioca é conga. Chamam de funk carioca porque encontraram a batida, mas é um ritmo de conga, que nem pertence ao Brasil. O Furacão 2000 era um sound machine, não tinha essa batida. Ela veio depois que a Bahia empurrou pro Brasil essa gama de ritmos. Eu ainda considero que, para o país, o Olodum e a Timbalada continuam a ser sofisticados para os ouvidos porque teve um momento que a opção do axé music do sul era a imagem de pessoas que pareciam com as pessoas do sul. Quem mais difundiu o papel de compositor do axé foi Marisa Monte. Quando ela grava “Maria de Verdade”, “Segue o Seco”… E quando a gente funde tudo nos Tribalistas: Arnaldo de São Paulo, ela do Rio e eu da Bahia. Epa! Temos o Brasil. O mundo ouviu o Brasil.

Mas esse disco é 2002. Você já era uma figura conhecida.

Mas eu não tenho essa questão do conhecido. Essa oportunidade é parecendo na TV que faz. Talvez agora, com o The Voice [da Rede Globo], eu seja mais conhecido. O que me preocupa é que não adianta você ser conhecido pelo grande nicho se aquelas pessoas não estão preparadas para compreender o que você está servindo. Eu estou servindo música popular brasileira. Foi o Brasil que me fez assim. Tô num programa para a massa, mas continuo compondo, continuo inspirado, continuo na linha de que um disco não é uma faixa comercial, mas uma história que você conta.

Voltando à noção do tipo de axé que foi mais consumido fora da Bahia, você acredita que as pessoas não têm noção da dimensão do Timbalada e do Olodum?

Elas não precisam ter noção, já está contaminado. Já foi. Nós esperávamos reafricanizar a Bahia, reafricanizamos o Brasil. O que nos deixa em dúvida é que ainda não chegou na dimensão de entender que o ser humano é muito parecido com o outro. Ainda há preconceito com o negro. Mas só existe racismo em relação aos negros? É isso que precisa ser discutido. Porque condição mais racista que os índios no Brasil não existe. Tomaram as terras e virou tudo nome de rua, ficou bonitinho, né? Quando eu venho a São Paulo, veja na política: Haddad, Kassab, Temer… Isso é a Arábia, entende? Quando você vai para outra escala, encontra outras etnias. Então, por que não se aceitar? Esse sonho de futuro é de coesão humana. A gente é brasileiro, cara. Como pode se tratar dessa forma? O melhor que o Brasil pode fazer é incinerar esse inferno e olhar o seu mar.

No quadro atual, como você avalia o governo interino?

O governo interino é muito novo para dizer. Tá muito cedo, mas gostaria de deixar claro que cultura não tem partido. As pessoas confundem muito, porque se é um novo governo pensam que você é aliado ou não. Eu sou brasileiro acima de tudo. Já declarei meu partido há muito anos: eu sou endireita. A gente está precisando de pessoas que endireitem. Não sou de esquerda, estou aí para apoiar quem queira apoiar o Brasil.

Há algum nome?

Por enquanto eu tô contando com o Cristo Redentor, ele está de braços abertos [risos]. Realmente, as coisas estão complicadas. Acho que não nos perdemos apenas na política, nos perdemos na comunicação, no dia a dia. Não pode achar um nicho, precisamos nos rever nas nossas relações. Não existe indivíduo melhor que o outro. As pessoas precisam se respeitar mais. Precisamos unir o país, não separá-lo. Sobre o governo interino, desejo boa sorte, inclusive.

Você volta para São Paulo depois de 12 anos. Como será este show?

Tem 20 anos, o Alfagamabetizado. Nesse disco, o maior sucesso foi “A Namorada”. Depois desse tempo, ela mudou. Não sei dizer se já casou [risos]. O casamento homoafetivo é uma realidade e já não é um escárnio. Então há muitas realizações: os 30 anos de axé e 35 de carreira como músico. Além disso, programa de TV, Oscar, Grammy… Coisas que empoderam. Vai ter um pouco do Tribalistas, Timbalada muito pouco, porque ela sempre foi meu alterego para fazer coisas de carnaval. Vai ter coisas que eu não costumo cantar, como “Maria de Verdade”, “Segue o Seco”. Muita gente não me conhece, isso me faz novo. Está na hora de o Brasil ver e conhecer um axé que eles nem imaginam que exista.

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