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Opinião Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013, 13:39 - A | A

Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013, 13h:39 - A | A

Juscelino foi assassinado...

Muitos dos progressos da modernidade europeia (desenhados no século XVIII) não chegaram (até hoje) em alguns territórios colonizados.

por Luiz Flávio Gomes*

Ainda não existe nenhuma prova inequívoca (indiscutível) de que o ex-presidente da República Juscelino Kubitschek tenha sido assassinado (em 1976) por agentes da ditadura militar. Recordando: no campo criminal, possibilidade ou probabilidade não significa certeza. Mas se isso ocorreu, está dentro da lógica do exercício do poder autoritário (pouco importando se de direita ou de esquerda), que constitui uma conturbada relação social, historicamente regada a muito sangue, especialmente nos países menos avançados e colonizados (como é o caso do Brasil).

Muitos dos progressos da modernidade europeia (desenhados no século XVIII) não chegaram (até hoje) em alguns territórios colonizados. Um deles é o tabu do sangue, que significou uma drástica redução das mortes naquele continente, com menos de 3 para cada 100 mil habitantes (veja Pinker, 2013, p. 105 e ss.). A América Latina conta com uma média próxima de 27 mortes para cada 100 mil. O que explica essa diferença?

Desde logo, o seguinte: o ser humano é um “animal domesticado” (Nietzsche). Antes de tudo, animal. Quanto mais domesticado, mais o poder é horizontalmente democrático (e menos violento). Quanto menos domesticado, mais o poder é verticalmente autoritário (e mais violento). A diferença de domesticação (educação, socialização) constitui um dos fatores explicativos da distância enorme entre a Europa e a América Latina no que diz respeito às taxas de homicídios. Se fora daqueles momentos de guerra declarada já somos muito violentos, claro que essa violência aumenta em tempos de exceção (em tempos de ditadura). Trata-se, nesse caso, de uma violência decorrente do exercício do poder.

O poder é inerente a todas as sociedades humanas (que são sociedades complexas). Tanto as relações privadas (dentro das fam&iacu te;lias, das fábricas etc.) como as públicas estão regidas por uma estrutura de poder, que exprime uma determinada relação de domínio em que uma pessoa (ou grupo de pessoas), por meio da coação ou da persuasão (persuasão racional ou fraudulenta), obriga ou convence outra pessoa a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, sob ameaça de alguma sanção (poder coativo) ou sob a promessa de uma recompensa (persuasão fraudulenta). Todo poder é exercido com o objetivo de se alcançar a obediência (a submissão). Tanto quem o exerce como quem a ele se submete está condicionado por uma série de circunstâncias (pessoais e coletivas).

É da natureza do poder a assimetria nas relações sociais, ou seja, a desigualdade, que se expressa por meio de uma infinidade de fatores: idade, sexo, filiação, riqueza, pobreza, ser ou não capitalista, ter informação, posições institucionais etc. Há desigualdade entre as pessoas e também o poder é distribuído de forma desigual, conforme suas estruturas históricas, econômicas, políticas, ideológicas etc. (veja Vilas, 2013, p. 18-19). A desigualdade gerada pelas assimetrias alimenta a desconformidade, a rebelião, o senso de injustiça, a sedição, a contestação, as lutas pela igualdade, os discursos contra-hegemônicos etc.

O grande êxito do poder é fazer com que todos acreditem que os seus interesses são interesses de todos, que suas crenças sejam as crenças de todos e que todos acreditem que seus códigos punitivos (e suas violências) têm valor para todos, igualmente. Esses são os “sentidos comuns” que fazem perdurar o exercício de um poder (Feinmann, 2013, p. 18). Como se vê, “Não há nada natural no mundo humano. O mundo humano é a ordem que o homem (ser humano) construiu” (Feinmann, 2013, p. 17). Toda sociedade (desde a familiar até à nacional ou internacional) tem uma ordem e toda ordem existe em função de um poder. Em outras palavras, é da lógica do exercício do poder a manutenção de uma determinada ordem (familiar, social, laboral, governamental, policial, religiosa etc.), que deve ser mantida (ou excepcionalmente mudada), na medida do interesse do dominante.

Desde que nascemos somos submetidos a uma avalanche de informações sobre a necessidade de sermos sujeitos sujeitados (Foucault), subordinados, submissos. Assim nos ensinam nossos pais, as religiões, as escolas e os poderes constituídos. Aliás, foi sob a lógica da submissão que construímos nosso país desde o princípio. Historicamente, assim nascem as famílias, as aldeias, os aglomerados, os bairros, as cidades, os países e as nações. Existe um poder constituinte marcado pela dominação, que faz parte da realidade humana. De outro lado, quem domina quer ser reconhecido como dominador. “Se o escravo se constitui cada vez mais em escravo por seu medo de morrer é porque o seu senhor se constitui cada vez mais em seu senhor por sua decisão de matar" (Feinmann, 2013). Em outras palavras, é da essência da dominação a criação e manutenção de uma ordem, que para ser preservada chega à pulsão tendencial para a morte porque quem exerce o poder sabe que para continuar a exercê-lo deve ou convencer o subordinado do seu domínio (persuasão) ou exercer a coação de forma cada vez mais intensa, chegando à violência e à morte.

Para o poder ser mais contundente é preciso que cresça, que aumente, que ganhe novas energias (expressões e mensagens) em cada momento. Todo poder político que não conquista a população pela anuência (resultante da razão ou da fraude), tende a ser cada vez mais violento (tirânico, opressivo, despótico). Diga-se a mesma coisa do poder machista (do homem contra a mulher) assim como do poder punitivo do Estado.

Foi dessa forma que também se deu a dominação europeia (branca) do Novo Mundo (latino-americano). Os primeiros dominados (pelos autodenominados “conquistadores”) foram as mulheres e os índios, depois os negros (escravos) e posteriormente os brancos pobres. Todas as vezes que os governantes ou senhores de engenho (dominadores) se sentiram ameaçados, cresceu o seu poder arbitrário e tirânico. Getúlio Vargas (de certa maneira) deixou que prosperassem (até certo limite) as atividades e movimentações dos comunistas (em 1935 e 1936) para poder “justificar” o Estado Novo fascista de 1937 (que representou um golpe militar dentro do golpe de 1930).

A quebra da “ordem natural das coisas” gera castigos ou até mesmo mortes.  Tudo depende do grau de molestamento e da importância (ou irrelevância) do molestador. Se a ordem se transforma em desordem (ou mesmo em ameaça de desordem), pode se chegar à violência (e à morte) para o restabelecimento do “status quo”. De acordo com a lógica autoritária de poder, o enquadramento (ou o desaparecimento) do sujeito é necessário porque a desordem pode destruir o poder.

Se o poder fundado na coação somente é conservado quando é aumentado incessantemente, até alcançar (quanto possível) a submissão absoluta, torna-se compreensível (mas não justificável) o incremento da violência policial contra as classes perseguidas (pobres, prostitutas, homossexuais, negros, usuários de droga pertencentes às classes inferiores etc.), a coerção dos “chefões” da droga, do crime organizado e dos presídios (contra seus subordinados) assim como a tirania dos militares durante uma ditadura. Então Juscelino pode ter sido morto pela ditadura? A resposta fica por conta do leitor.

*Luiz Flávio Gomes é diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

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