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Cidades Quinta-feira, 25 de Abril de 2013, 09:27 - A | A

Quinta-feira, 25 de Abril de 2013, 09h:27 - A | A

Equívoco

“Só quero ir para casa”, diz alagoano que vive há cinco dias no aeroporto após cair em golpe

Sensibilizados, funcionários pensam em fazer vaquinha para ajudar homem de 31 anos

do R7

 

Nos terminais do aeroporto internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, existe uma pergunta não espanta os funcionários. Questionar e procurar por uma pessoa que está morando por ali é visto com certa naturalidade por quem está no saguão todos os dias. "Ixi, são tantos que ficam uns dias por ai", diz uma faxineira. "Homem não lembro de ter visto, mas tinha uma senhora... mas já foi embora", confirma a atendente de uma cafeteria.

Sentado em um dos clássicos bancos azuis com suporte para braços separando os assentos, está J*. Exatamente no local em que uma sorridente funcionária, que não quis se identificar,  disse que estaria. "Ah, só pode ser o J", afirmou quando questionada sobre o mais novo "morador" do aeroporto.

— Ele fica no outro mezanino e só chora. Está ai desde domingo. A gente está querendo fazer uma vaquinha para comprar a passagem para ele.

A indicação foi precisa. O único equívoco foi em relação ao choro. Com calça jeans, sapatos sociais pretos e um casaco marrom — doado por um funcionário do aeroporto — J, de 31 anos, segura um livro de passagens da bíblia e lê tranquilamente.

— Nem lágrimas eu tenho mais para chorar. Chorei muito sem parar já.

Desde domingo (21.04), o rapaz se instalou no mezanino do terminal de passageiros 2, ala D, ao lado da delegacia de Polícia Civil do aeroporto de Guarulhos. Não sai do lado de sua mochila, de sua pequena mala de rodinhas e do cobertor, recebido do mesmo funcionário que deu o casaco. Nascido em Rio Largo, Alagoas, J morava em Maceió e estava desempregado quando, após conhecer uma pessoa na internet, recebeu uma proposta de trabalho em São Paulo.

— Eu conheci uma pessoa por um joguinho chamado Tibia, é um joguinho de RPG e muita gente joga. Eu jogava em uma lan house e acabei conhecendo um homem e ele perguntou se eu tinha Facebook, MSN e eu não tinha e ele falou pra gente conversar em uma sala de bate papo.

Depois de cerca de três semanas de troca de e-mails e conversas por chat, J ficou convencido de que sua vida poderia mudar em São Paulo.

— Caí na lábia porque é uma conversa muito bonita, que eu ia arranjar emprego aqui um instante. Perguntou se eu sabia dirigir e falou que aqui eu conseguia rapidinho trabalho de motorista e que ia me dar uma cortesia, uma passagem.

Com R$ 120 no bolso, embarcou. No entanto, quando chegou a Guarulhos, o suposto empregador levou J para uma casa e o prometido emprego não existia. Seu dinheiro ficou com ele e J diz que se tornou um “prisioneiro”.

— Não sei onde era [a casa], só sei que o nome do bairro é São Bernardo. Nos primeiros dias ele foi um amor de pessoa, mas depois me trancou em casa eu comecei a lavar prato, lavar roupa e ele me trancava no quarto. Tinha vezes que me dava comida, tinha vezes que não dava.

Após diversos dias nessa situação – J calcula que tenha ficado quase um mês assim – ele conseguiu fugir após um descuido de seu empregador que, segundo ele, foi tomar banho e não trancou a casa.

— Não queria denunciar, não queria nada. Só queria fugir. Se eu visse ele de novo, eu diria que não vou julgar, não vou brigar, que eu perdoo.

Fugiu. Na rua, após longa caminhada, J encontrou um grupo de pessoas que o ajudou.

— Falei que queria ir para o aeroporto porque eu me sinto mais seguro. Me deram dinheiro e fizeram um mapa. Ficaram comigo no ponto de ônibus e me ensinaram a chegar aqui.

Com as indicações do grupo, J chegou ao metrô, fez baldeação, pegou mais um ônibus até Guarulhos e, finalmente, encontrou o aeroporto. Desde então, os funcionários têm sido, como ele mesmo os define, seus “anjos da guarda”.

— Eles me deram comida, foram anjos que nem sei com explicar. Me levaram para a assistência social aqui do aeroporto e eles me levaram a um abrigo, mas não quis ficar lá.

Assistência - Nesses cinco dias em que “mora” no aeroporto, J fez amizades. O funcionário que deu o casaco e o cobertor, também levou uma garrafa de café e um pacote de bolachas. O livro com passagens da bíblia foi presente de uma faxineira, acompanhado de duas maçãs.

— Eu disse que estava me sentindo muito só e uma senhora me deu o livro. Quando eu for embora, quero que ela assine o nome dela aqui. E eu quero também deixar esse blusão e esse cobertor para outra pessoa que possa precisar.

Em pouco mais de uma hora, diversos funcionários que passaram pelo corredor em que J está, pararam para cumprimentá-lo e saber de novidades. “E aí, abençoado? Já almoçou hoje? Vou ver se arranjo uma marmita para você”, diz um deles. “Novidades do pessoal da assistência social?”, pergunta outro. Todos parecem conhecer a história do jovem, como comprova um terceiro funcionário que parou para conversar.

— O caso dele é o seguinte: todo mundo quer ajudar ele, mas ele só fica aqui sentado, não vai atrás de nada. Tem que ir, deixa a mala com alguém. A gente fala: qual o preço da passagem? E ele diz: não sei. Tem que correr atrás. Todo o setor já conhece a história dele, todo mundo quer ajudar, mas ele não consegue aglutinar e aí fica disperso.

Na última terça-feira (23), J quase conseguiu. Ele conta que uma senhora que ia embarcar para  o exterior se ofereceu para pagar sua passagem. J pediu ajuda a um senhor que usava um laptop para pesquisar preços de passagens.

— Eu não quero explorar. Queria uma mais baratinha e o pessoal falou que ia ajudar a pagar, mas na hora de comprar, o cartão dela não passou e ela começou a chorar. Eu falei que ia ficar tudo bem e que alguém ia me ajudar e ia comprar uma passagem para mim.

“Queria ajudar minha mãe”

J admite que errou ao aceitar viajar para São Paulo. No entanto, segundo ele, a proposta de trabalho para ganhar “quase R$ 1.000 como motorista” o atraiu.

— Eu sei que estou errado, caí no golpe, mas que jovem não quer crescer? Eu estava desempregado, queria ajudar minha mãe...

No posto de atendimento ao migrante, local que presta assistência social para pessoas como J no aeroporto de Guarulhos, uma funcionária informou que ele já está sendo atendido e disse que a equipe tentou contato com sua família. No entanto, J diz ter perdido todos os seus contatos quando teve o chip do celular destruído pelo falso empregador. O posto ofereceu o abrigo para J, mas ele preferiu continuar no aeroporto. “Temos que respeitar a decisão dele e aqui é um local público”, explicou a funcionária.

Em Maceió, o jovem conta que morava com a mãe e a tia, e que a casa não possuía telefone fixo. Quando saiu de lá, ficou de ligar para a mãe por volta do dia 10 de maio para dar notícias. Ele espera voltar antes disso. Se conseguir uma passagem.

— Não quero dinheiro. Uma pessoa queria me dar R$ 50, mas eu falei que não queria. Eu prefiro ficar com fome. Eu só quero a passagem.

*À pedido do entrevistado, seu nome não foi revelado

 

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