Relatório Técnico do Tribunal de Contas do Estado (TCE/MT), referente às contas anuais do exercício de 2015 da Prefeitura de Várzea Grande, obtido com exclusividade pela reportagem do VG Notícias, aponta suposta fraude cometida pela prefeita Lucimar Campos (DEM) e sua equipe, para deixar os demonstrativos contábeis da Prefeitura com resultados positivos inapropriadamente.
Conforme consta no relatório, a prefeita e sua equipe, sem explicação plausível, excluíram mais de R$ 9 milhões de despesas empenhadas, referentes a resto a pagar, com intuito de “mascarar” as contas municipais.
“Deve-se ater que a maioria dos cancelamentos aconteceu nos últimos dias do mês de dezembro, o que evidencia que tiveram o condão de ajustar as despesas para fins de fechamento contábil, assunto que será discutido a partir de agora” diz trecho do relatório emitido pelos auditores do TCE/MT.
As despesas empenhadas e excluídas foram as dos credores Edilson Baracat, Solange Aparecida Gonçalves e H. Mattos. Conforme relatório, a gestão de Lucimar providenciou a anulação das despesas já liquidadas sob proteção do Decreto 50/2015 de sua autoria.
“Esse assunto adquiriu relevância em Várzea Grande, pois se anulou a monta de R$ 9.227.135,90 em empenhos liquidados no exercício. Essa ação se torna mais intrigante quando se analisa algumas dessas anulações. Então, em decorrência do histórico e da materialidade dessas despesas, esta equipe técnica se concentrou em dois credores, quais sejam: Edilson Baracat e Solange Aparecida Gonçalves”.
No relatório, os auditores citam que “o objetivo do apontamento não tem o fulcro de discutir o montante real da dívida, tendo em vista que o assunto está sendo exaurido em processo próprio, logo a discussão paira sobre a anulação de despesa liquidada, que, no entendimento da equipe técnica, não há justificativas ou documentos probatórios para respaldar a anulação da despesa, logo se conclui que novamente se tenta acobertar o real resultado orçamentário, financeiro e patrimonial da prefeitura, haja vista que, tem sido prática regular no decorrer dos anos em Várzea Grande” - trecho extraído do relatório.
Ainda sobre os ajustes que envolveram o fechamento contábil do exercício de 2015, conforme relatório, a gestão de Lucimar Sacre de Campos instituiu uma comissão com a finalidade de analisar dívidas da prefeitura de 2010 a 2014. Esta comissão, conforme relatório conclusivo expedido em 08 de fevereiro de 2016 chegou à conclusão de que a Prefeitura deveria cancelar R$ 9.494.421,16 referente a restos a pagar não processados dos exercícios de 2010 a 2014, sob a justificativa de atender o que orienta o Decreto Municipal 50/2015, mais precisamente, seu art. 7º, §§3º e 7º, conforme disposto no relatório: “Os cancelamentos acima mencionados foram realizados de acordo com o Decreto nº 50/2015: · Art. 7º, §3º - Os Restos a Pagar Não-Processados do exercício de 2014, não liquidados até a presente data, após verificada a inexistência do processo na Secretaria de Gestão Fazendária. Insta salientar ainda que, de acordo com Decreto nº 50/2015, em seu Art. 7º, §7º - O valor que vier a ser reclamado em decorrência dos cancelamentos estabelecidos, cujas despesas tenham sido realizadas e não liquidadas, serão atendidas à conta de dotação orçamentária constante da Lei Orçamentária Anual ou de créditos adicionais abertos no exercício em que se der a reclamação”.
No entanto, conforme a equipe técnica do TCE, no início do mesmo relatório, a comissão apresenta justificativa que não coincide com esta, pois defende o cancelamento de restos a pagar não processados sob fundamento do artigo 70 do Decreto federal 93.872/1986, que trata de prazo quinquenal para prescrição. “Então, partindo para análise das justificativas da comissão, notam-se vários entendimentos equivocados de seus membros, que inclusive chegam a divergir dos normativos citados como referência. Preliminarmente, a comissão, ao citar os parágrafos do decreto municipal, acrescenta que os restos a pagar não processados que não foram liquidados em 2015 serão cancelados depois de verificada a inexistência do processo na Secretaria de Gestão Fazendária, ou seja, esta última condição não existe no §3º do art. 7º do Decreto 50/2015. Ao se referir ao §7º, a comissão faz referência a despesas realizadas e não liquidadas, mas, o dispositivo em questão trata, no seu texto original, de despesas liquidadas ou realizadas, o que demonstra que a comissão apresentou conclusões que distorcem o próprio Decreto 50/2015, isto é, faz adaptações ao texto normativo a fim de coaduná-lo a seu entendimento. Ainda, sobre o cancelamento de obrigações inscritas em restos a pagar não processados, a comissão justifica o cancelamento do que foi inscrito no final de 2014 (R$ 9.016.602,52), considerando o Decreto 93.872/1986, haja vista que, de acordo com a comissão, na União, os restos a pagar não processados são cancelados em 31 de dezembro do exercício seguinte à inscrição. Esse entendimento não tem amparo legal, uma vez que a comissão se baseou em normativo desatualizado” cita relatório.
Para a equipe técnica do TCE, a norma é clara em afirmar que o cancelamento de restos a pagar não processados e não liquidados dar-se- á em 30 de junho do segundo ano subsequente ao de sua inscrição, portanto houve dois erros que distorcem em demasia os demonstrativos contábeis. Primeiro, cancelou-se R$ 9.016.602,52 em restos a pagar não processados intempestivamente, uma vez que o cancelamento 31 de dezembro de 2015 não tem amparo com o normativo federal usado como referência. Igualmente, nesse montante milionário, a metade não se enquadra às condições exigidas para o cancelamento, na medida em que o Decreto 93.872/1986 é claro em afirmar que o cancelamento de restos a pagar não processados somente é permitido se não forem liquidados, logo o valor de R$ 4.499.526,32 que se refere ao credor H. Mattos, cuja liquidação aconteceu no decorrer de 2015, atingiu a condição de restos a pagar não processados liquidados, portanto não poderia ser incluído no rol de despesas passíveis de cancelamentos.
Ainda, conforme o relatório, em outra análise, do montante de R$ 9.494.421,16 em restos a pagar não processados cancelados, R$ 9.016.602,52 foram inscritos em 2014, ou seja, 95,06% do total inscrito, neste ano, como restos a pagar não processados, foi cancelado sem qualquer fundamento legal, deixando, mais uma vez, os demonstrativos contábeis da Prefeitura com resultados positivos inapropriadamente.
A falta de zelo da atual gestão com a dívida pública municipal também foi apontada no relatório. “A falta de credibilidade do relatório expedido pela comissão de restos a pagar ganha mais relevância quando se observa que Márcia Françoso, membro da comissão e Controladora Geral do município em 2015, optou por não assinar o relatório, o que é considerado um indício de que a Controladoria não pactua com o mesmo entendimento dos demais membros. Por fim, porém não menos relevante, o relatório conclusivo da comissão de restos a pagar que serviu de parâmetro para o cancelamento dessas obrigações da Prefeitura foi emitido em 08/02/2016, ou seja, dois meses após o cancelamento, logo, antes do parecer da comissão, as dívidas já haviam sido canceladas, o que demonstra a falta de zelo dos gestores de Várzea Grande no trato da dívida pública municipal”.
Outro lado - Ao VG Notícias, o secretário de Comunicação de Várzea Grande, Marcos Lemos disse que trata de um relatório preliminar, que sequer foi julgado, e por isso o município não iria se manifestar neste momento.
"É um relatório preliminar. O próprio relatório fala que é suposto, se é suposto tem que esperar o julgamento final. Não há posicionamento, a Prefeitura irá se defender, têm todos os argumentos, tudo foi feito dentro da lei, os empenhos que foram cancelados e que tiveram legalidade foram reativados, não vão ser desativados, então não existe nenhuma preocupação do município em relação a isto, até porque, o relatório é preliminar. A Prefeitura vai esperar ser notificada para se defender, sem problema nenhum, com convicção que tudo foi feito dentro da lei e da ordem, dentro do que a lei prevê. O que vale é o julgamento final" explicou.
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